Me recordo como se fosse ontem quando joguei pela primeira vez System Shock 2 em um CD de demonstrações da saudosíssima revista CD Expert. Só jogaria anos depois esse complexo FPS.
Na época, lembro o quanto era inacreditável a quantidade de mecânicas que o jogo tinha em relação aos outros jogos do mesmo gênero, além do óbvio clima de terror. No entanto, com a limitação dos hardwares da época e os complexos e confusos menus, somada a dificuldade nada acessível, faziam desse clássico um difícil jogo de digerir até o final.
Nos tempos atuais, após o remake do primeiro System Shock, a Nightdive Studios traz a versão remasterizada de System Shock 2 para o Nintendo Switch, com controles atualizados, sistema de conquistas, texturas em alta definição e muitas melhorias de qualidade de vida que o jogo tanto precisava.
Não é um jogo de ação, mas sim de survival horror
System Shock 2 não é um FPS de ação como Doom ou Half-Life, mas sim um jogo próximo do clássico Deus Ex (lançado no ano 2000), onde há elementos de RPG que fazem toda a diferença em todas as decisões do jogador, até mesmo em disparar um arma.
O jogador não consegue sair por aí atirando em alta velocidade e correndo em zigue-zague para ficar desviando de ataques. Ao invés disso, se não evoluir os atributos certos, o protagonista não conseguirá nem mesmo manusear uma arma.
Aqui é onde entra o primeiro revés do jogo: no início, antes de chegar até a nave Von Braun (a espaçonave onde se passa o jogo) o jogador terá que fazer algumas escolhas que influenciarão os atributos iniciais do protagonista. Mas como é a primeira vez que você pode estar experimentando System Shock 2, essas decisões podem fazer com que você já comece sem poder realizar diversas ações, gastando pontos em atributos que, no começo do jogo, podem ser bem inúteis.
Mas isso é um contratempo muito pequeno para tudo o que o jogo tem a oferecer. O grande chamariz de System Shock 2 é o equilíbrio. Iniciei o jogo na dificuldade difícil (tem outra acima dessa), e é incrível como o jogo parece impossível, especialmente até entender as mecânicas, como as armas quebrarem, como você pode repará-las ou municiá-las, como usar o sistema das habilidades psi, o sistema de hackeamento, a análise de órgãos para realizar mais danos aos inimigos, os tipos de munição… enfim, eu poderia descrever cada mecânica aqui, mas são tantas que me faz perguntar como conseguiram encaixar tudo isso em um CD em 1999.
E o mais incrível é que você não conseguirá desbloquear todas as mecânicas de início, e provavelmente usará poucas delas até o final, dependendo de quais habilidades irá evoluir ao longo do caminho. Aqui, o caminho escolhido é realmente definido ao longo do jogo, e todos tem seus altos e baixos.
Essas mecânicas são divididas em 4 habilidades (na verdade 5, mas já chego lá): armas, tecnologia, habilidades psiônicas e físico, e cada uma dessas 4 vertentes possuem atributos próprios. Por exemplo, em armas, você pode evoluir armas pequenas, grandes, elétricas e exóticas, e você precisará de pelo menos um ponto nesse atributo para poder usar a mais simples das armas. Em tecnologia, você terá habilidades como hackear, reparar, modificar, etc. e, assim como os outros atributos, se você não tiver ao menos um ponto alocado em uma delas, não poderá usá-las. Quanto maior o nível desses atributos, mais danos, reparos, etc. você fará com o ambiente e objetos do jogo.
Além disso, há um quinto tipo de atributo que garante uma habilidade especial bem diferenciadas no jogo, no entanto são raros os terminais existentes no jogo, por isso escolha com sabedoria. Algumas delas são extremamente úteis, como revelar inimigos no mapa.
A grande dificuldade desse sistema é você necessitar de pelo menos um ponto no atributo para poder realizar a ação, até mesmo atirar, por exemplo, com a arma mais simples. Como os Cybermodules (que são os itens necessários para evoluir esses atributos) são raros de encontrar no cenário e são dados somente após completar algumas missões, o jogador se vê alocando os pontos com cautela: às vezes só um ou dois pontos para realizar uma ação (reparar armas, por exemplo), enquanto foca pesado em um outro para garantir a sobrevivência (armas de energia, por exemplo).
É incrível como a desenvolvedora conseguiu equilibrar essas mecânicas em um jogo genuinamente difícil e divertido de jogar. O desafio é genuíno e traz aquela sensação gostosa dos survival horrors antigos onde guardar itens e equipamentos fazem toda a diferença para chegar até o final do jogo.
A mansão de Resident Evil 1 em forma de espaçonave
System Shock 2 segue uma estrutura de cenário aberto do qual você pode ir e voltar o quanto quiser nos diversos andares e compartimentos da nave Van Braun da mesma forma como você explora o castelo em Castlevania – Symphony of the Night ou a mansão Spencer em Resident Evil 1.
No entanto, diferente desses jogos, você pode acessar cofres, analisar órgãos e pegar armas poderosas já no começo do jogo, dependendo das habilidades escolhidas no início. As sessões de progressão da história não são bloqueadas por habilidades travadas somente no final do jogo, mas sim por missões que você irá receber de um personagem um tanto misterioso durante sua jornada.
O remaster de System Shock 2 ainda é muito bom em recompensar o jogador. Com o minimapa no canto superior direito e o mapa completo no menu, é fácil de navegar e ficar voltando (sim, tem um certo backtracking no jogo), e a nave possui diversos ambientes perigosos que você pode burlar e não explorar, mas em compensação poderá perder itens, munições e armas que podem fazer toda a diferença durante a jornada. Além disso, o inventário do personagem, apesar de expansível, é bem limitado no maior estilo Resident Evil clássico, o que faz do gerenciamento de inventário uma necessidade.
Essa vasta quantidade de exploração também garantem muitos segredos escondidos, além de oferecer ao jogador diversas formas de chegar até o objetivo, podendo o mesmo optar em sair destruindo todos os inimigos (se tiver as habilidades e a quantidade de equipamento certas) ou ir de forma mais furtiva, hackeando portas, câmeras e outros inimigos eletrônicos no jogo.
Um survival horror em primeira pessoa sem precedentes
A história é uma sequência direta do primeiro game, mas System Shock 2 tem um enredo próprio sem a necessidade de jogar o original, até mesmo porque os eventos que ocorreram em System Shock, quando necessários, são explicados no decorrer da jornada.
Mas devo dizer que, conhecer a história do primeiro faz toda diferença no impacto do jogo, porque tem reviravoltas muito inteligentes, de tirar o fôlego. Além disso, o jogo lança dramas dos NPCs mortos na nave (do qual você descobre ouvindo áudio logs encontrados pelo cenário) que explicam e enganam o jogador a todo tempo, porque os tripulantes da Van Braun também estão tentando entender o que está acontecendo na espaçonave.
Agora, com o controle mouse do Switch 2, é torcer para que tragam o remake do primeiro System Shock para a nova plataforma da Nintendo para uma experiência completa da série.
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