Eu sou um grande fã de Pokémon. Minha primeira jornada nesta franquia começou ao lado de quatro pilhas AA num Game Boy preto e branco. Como ja discuti antes, os primeiro jogos dos monstrinhos de bolso são fruto de um projeto que recebeu muito carinho e fora lapidado ao extremo. Algo tão especial que mereceu todo o sucesso que recebeu nestes 26 anos de vida através de suas inúmeras iterações que, pouco a pouco, deram palco lançamentos anuais.
Mas do final do ano passado para cá algo raro aconteceu: Recebemos dois (três, se separar as versões) jogos inéditos em um período de apenas dois meses. Curiosamente, ambos se passam na mesma região e servem como uma espécie de sequência mútua. De um lado, um remake fiel da dupla inaugural da quarta geração. Do outro, uma proposta totalmente inédita para a série.
Este evento foi tão peculiar que resolvi segurar minha jornada em Shining Pearl, esperar Legends Arceus e jogar ambos simultaneamente. Um experimento curioso que me trouxe muitas reflexões e me deixou empolgado com o futuro da franquia, mas que também escancara a disparidade entre os produtos.
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Pérola barroca
Remakes de Pokémon não é novidade. Os primeiro aterrissaram em 2004, atualizando a jornada em Kanto para os padrões da terceira geração. O mesmo aconteceu com Johto e Hoenn na quarta e sexta gerações, respectivamente. Todos tinham algo em comum: Além de visuais refeitos, conteúdo extra e mecânicas alinhadas com a geração atual, eram 100% compatíveis com seus contemporâneos. Você podia trocar monstrinhos e batalhar entre FireRed e Ruby, SoulSilver e Diamond e até mesmo OmegaRuby e X.
Pokémon Brilliant Diamond e Shining Pearl quebrou esta tradição. Na falta de uma palavra melhor, os remakes de Sinnoh são ilhas isoladas. É possível comunicar-se diretamente entre si, mas impossível fazer o mesmo com Sword e Shield. Não há muito conteúdo extra e os visuais, diferente dos demais remakes, não seguem o padrão de seus contemporâneos, que seriam Sword e Shield. As mecânicas também não foram equiparadas e não há a possibilidade de trazer monstrinhos que apareceram em gerações seguintes.
De fato, não há um problema inerente a esta direção. Há uma estranheza, dado o histórico da série, mas longe de ser um problema em si. A mesma diversão que os jogos originais causaram em 2007 é causada aqui também, mas não há um senso de continuidade que a série leva tão a sério desde a terceira geração. Seu Pikachu capturado em Pokémon Ruby pode ser trazido até Pokémon Sword, mas infelizmente não consegue chegar (ainda, visto que há a promessa de integração com o Home) a BDSP.
Tradição travestida
E é neste contexto que, dois meses depois, Pokémon Legends Arceus chega às lojas. Eu posso afirmar, com toda convicção, que este é o jogo mais ambicioso da franquia desde Gold e Silver. E, justamente por esta ambição, ele também é a total antítese de BDSP, seja isso algo bom ou ruim.
Pela primeira vez a Game Freak mexeu com o loop de Pokémon. Dado o meu exemplo, alguém que joga primariamente pelas mecânicas das batalhas competitivas, me vi querendo capturar a maior quantidade de monstrinhos possível. Me vi querendo preencher os requisitos do Pokédex. Me vi esperando ansiosamente por uma distorção de espaço-tempo para ver o que aconteceria de novo. Pokémon voltou a ser misterioso, imprevisível… selvagem. E eu adorei!
O novo loop de jogabilidade é tão gostoso que eu simplesmente esqueci que não existe a coisa que eu mais julgo importante na franquia: Batalhas com outros seres humanos. Legends Arceus é outra ilha isolada, tal qual BDSP, mas sua proposta, e sua natureza como um projeto a parte, justifica essa solitude. Arceus não é uma sequencia, ou um irmão, de Sword e Shield. Ele é algo além. Ele não invalida seus contemporâneos, mas ele também não precisa deles. Sim, existem coisas “faltando”, como existe em toda primeira iteração de uma idéia. Breath of the Wild não possui dungeons tradicionais, por exemplo. Mas o produto em si é tão sólido que não se sente falta.
Legends Arceus não possui sentimento de continuidade e não goza da característica de “jogo infinito” que outros títulos da franquia. Depois de terminar o Pokedéx e realizar a última quest do jogo, o mesmo acabou. Não há muitos motivos para voltar. Sua natureza como ilha isolado tira sua longevidade. Mas depois de 70 horas de jogo, qual o problema nisso? Legends Arceus é uma experiencia solitária com começo, meio e fim, tal qual tantos outros JRPG por aí.
Diamante bruto
Acredito que, tal qual a maioria das pessoas, jogar Legends Arceus e BDSP com um certo espaço ajude a abstrair a imensa diferença de direção, mas ao coloca-los lado a lado confesso que é algo chocante.
O Shining Pearl que joguei, na falta de uma palavras melhores, parece um jogo de DS. Perceba que eu não falo aqui de gráficos. Pouco ligo para eles no âmbito desta conversa. Falo aqui da apresentação de fato do título. As caixas de texto enormes parecem que foram projetadas para uma tela de 3”. O mesmo pode ser dito dos personagens deformados: Uma escolha que faz muito sentido no DS, com sua tela diminuta e baixa resolução, mas que fica muito deslocado num console como o Switch. Até Sun e Moon, no 3DS, ja haviam abandonado esta técnica.
Estes problemas são um pouco mitigados quando jogado na tela de um Switch Lite, mas fazê-lo numa TV de 55” relativamente próximo causa uma grande estranheza que, por sinal, não acontece com Sword e Shield. O mesmo não pode ser dito de Legends Arceus. O mundo aberto, cheio de coisas para descobrir e notar, te convida a colocar o Switch na dock e sentir a imersão que o som surround (muito bem implementado) e a maior resolução causam. É mais fácil ver monstrinhos à distância e mais confortável de jogar.
Estou longe de tirar méritos dos remakes de Sinnoh. As animações das batalhas são excelentes, especialmente as expressões dos treinadores. O visual do mundo, na falta de uma palavra melhor, é “fofo”, mesmo que um tanto pobre. O que falta é ambição. Faltou ambição para atingir os padrões dos remakes anteriores, mas também faltou ambição para se adaptar de forma mínima aos padrões do Switch.
Ambição, no entanto, é algo que Legends Arceus tem de sobra. A internet a fora falou muito sobre como os visuais do mais novo jogo da franquia é bruto. De fato, não acho a Game Freak a empresa mais competente neste assunto, mas isto não os impediu de desenvolver esta jogabilidade tão aberta. Sim, o cenário basicamente se constrói à sua frente e isso não é algo bonito de se ver, mas não limitou a criatividade e ambição do jogo. Eles miraram, de certa forma, desenvolver um jogo que estivesse minimamente adequado aos padrões da plataforma.
Futuro
Mas por que eu estou comemorando um produto tão bruto? É que Legends Arceus é o jogo recente com vendagem mais rápida da franquia. Isso é um excelente sinal à Pokémon Company que ambição vale a pena. Esta é a primeira iteração desta nova forma e jogar Pokémon, a primeira tentativa.
A Game Freak anunciou recentemente que Pokémon Scarlet e Pokémon Violet, os novos jogos tradicionais da franquia, se passarão em um mundo totalmente aberto e que será lançado no final de 2022. Dois grandes lançamentos da franquia saindo no mesmo ano. Veja o quão importante é frisar que Scarlet e Violet serão “tradicionais”: Porque eles não precisam seguir todas as novidades de Legends Arceus para se destacarem.
Pokémon está vivendo um momento de redescobrimento, de amadurecimento. Há espaço para desenvolver a série Legends em suas sequências, mas também há espaço para enxertar ambição na série principal. Os jogos tradicionais da franquia não precisam absolver as mecânicas inovadoras de Legends Arceus, eles podem expandir sua própria jogabilidade e apresentar um mundo bem mais rico e dinâmico. Scarlet e Violet parecem propor exatamente isso. Não há aqui um conflito, mas sim dois produtos distintos que podem apelar a públicos distintos.
Ora, esta não é a primeira franquia a fazer isso. Breath of the Wild é o modelo que a Nintendo está seguindo com os jogos principais de Zelda, mas isso não a impediu de trazer Link’s Awakening em 2019 ou até mesmo futuramente um jogo 3D inédito nos moldes dos antigos. Jogos 3D e 2D de Mario e Metroid conseguem viver tranquilamente em harmonia. A própria Capcom intercalou Resident Evil 7 e 8 com o remake do 2 e 3, dois jogos com câmera em terceira pessoa.
Em um período de 12 meses a Pokémon Company terá entregado três lançamentos (consistindo de cinco jogos) totalmente distintos, com públicos bem definidos (que em muitos casos se sobrepõem) e sem sombra de dúvidas bem sucedidos. É um futuro excitante para os fãs, mas que traz dúvidas de algum quanto à capacidade da empresa de gerenciar tudo isso.
E você, o que acha da direção da série atualmente? Comenta conosco nos comentários!
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