Japão, 2006. Após o sucesso inesperado de Hoenn, Pokémon adentrava sua primeira década completa. Inspirada na região de Hokkaido, norte do país, Sinnoh inaugurava de vez a franquia no então recém lançado Nintendo DS Lite. Muitos fãs, que à época tiveram a oportunidade de descobrir a franquia por lá, acabaram criando uma memória afetiva intensa com os jogos, que passaram a ser um dos mais reverenciados, seja por sua música, enredo, ou Bidoofs. Principalmente Bidoofs.
Porém pessoalmente, eu nunca entendi o motivo de tal fascínio. Sinnoh para mim sempre foi o elo mais frágil de uma série forte. Entre diversas discussões com pokéfãs aficionados, várias tentativas de aprender a gostar dos jogos originais sempre terminavam no mesmo ponto. Inclusive, um excelente adendo: esta que vos fala deve ser em teoria a pessoa mais suspeita para fazer essa análise. Afinal, se a conclusão final for negativa, minha fama com a região pode ser um “viés”. Se for bom, é por “defender remakes frouxos”. Então fique tranquilo, não há nenhum lado que pese mais na decisão.
Desde quando começaram os chiados (justificáveis ou não, fica à vossa escolha), eu sempre mantive a mesma máxima: caso os remakes fossem bons, seria um jogo que a comunidade finalmente não iria reclamar em uníssono. Caso fossem ruins… bem, é o que já esperava vindo de Sinnoh. Bem, nenhum dos dois lados se concretizou. Como todo jogo de Pokémon desde 2010, Brilliant Diamond e Shining Pearl não escaparam da crítica no milésimo seguinte ao término de sua apresentação. Fossem críticas ao estilo chibi, à falta de ambição em mudanças (como ocorrera com HGSS e ORAS), ou acusações mil a seja lá quem for.
Recomendação de Compra
Nintendo Switch – Modelo OLED (Branco)
Lançamento: 08/Out/2021
Mas espera lá, estávamos a falar de fevereiro. Ao longo do ano, muita coisa mudou. O jogo apresentado no trailer inicial parece quase uma versão arcaica do que chegou às nossas mãos. Na prática, BDSP é como uma reedição dos jogos de 15 anos atrás. Você nota mudanças drásticas, porém ainda é capaz de sentir a essência dos jogos – e sua consequente nostalgia.
Um grande remix
Ao contrário do que muitos esperavam, o jogo não apresenta o estilo de “última geração” trazidos por Sword e Shield. A ILCA, produtora do jogo, optou por seguir um caminho um tanto quanto mais próximo daquele apresentado por Link’s Awakening (Switch), e manteve muitas das proporções das antigas sprites, que agora possuem emoção em suas cenas, dessa vez em um mundo verdadeiramente tridimensional. Para ser sincera, seus gráficos (não estou a falar do estilo de arte) mostram o sonho que nem o mais entusiasmado dos fãs poderia imaginar durante a sétima geração. Quem jogou Sun e Moon vai saber exatamente do que eu estou a falar. Apesar do estilo chibi, o polimento, o cuidado com os detalhes, tudo foi levado em conta. O estilo menos ambicioso permitiu um esmero muito mais dedicado a cada modelo redesenhado, e isso é um fato inegável. Cenas de batalha não se parecem mais em nada com os apresentados na primeira vista do jogo. Pelo contrário, temos cenários de dar inveja até mesmo na beleza de ORAS.
À primeira vista, a música parece ter sido simplesmente importada com base no jogo original, dada a grande similaridade com os jogos de 2006. Porém ao longo da jornada, você pode notar temas muito mais diferenciados – e objetivamente mais intensos – que os de Diamond e Pearl. Se você não apreciava os sons em baixa taxa de batidas por minuto (traduzindo: parada), você certamente vai ter sua primeira chance de apreciar uma outra forma muito mais prazerosa de ouvi-los. E sejamos sinceros: o tema do antigo Game Corner (agora Style Shop) pode te fazer querer sair vendo vídeos de Eurodrift. Ao menos você já foi avisado.
A jogabilidade é quase uma cópia da obra dos anos 2000, com duas diferenças notáveis: a primeira são as opções do grid. Ao invés de ficar preso a quatro acções de movimento principais, agora você pode usar o analógico da sua Switch para movimentar a personagem. Ou, caso queira se manter com o movimento tradicional, é só usar o bom e velho D-Pad como de costume.
Uma coisa que muito me incomodou – e diga-se de passagem, é um incômodo besta – foi a questão da luz. Problemas de iluminação muito acentuada em alguns pontos do jogo foram reportados. Apesar de não ter encontrado tal problema, notei que algumas funções básicas, como a passagem do dia, ou a iluminação à noite, são simplesmente estranhos.
Ao invés do padrão utilizado nos jogos anteriores, caso você esteja no overworld durante um horário específico, você irá ver simplesmente o cenário clarear ou escurecer subitamente, como se Arceus estivesse controlando um interruptor. Além disso, cenários específicos como a Eterna Forest, se mostram com clareiras de brilho forte – mesmo à noite. Talvez até poderia usar a desculpa da lua, mas é quase como um holofote a luz mesmo. Mas ok, façamos o contraponto: os cenários de batalha são simplesmente estonteantes. Seja uma noite estrelada, um pôr-do-sol definido, ou qualquer coisa nesse nível, o jogo realmente tem seu destaque merecido.
Outra novidade bem desgostosa é o uso do Pokétch. Criado originalmente como uma funcionalidade para a “inovadora” segunda tela do DS, no Switch a ideia já não parecia fazer mais tanto sentido. Então como adaptar? Talvez lançando um periférico junto com o jogo, assim como fora com o PokéWalker em HGSS? Nah, os tempos são de economia. Ok, provavelmente como o PokéNav de RSE/ORAS? Acho que não, o remake não é de Hoenn mesmo… É muito melhor colocar um ícone que ocupa um espaço relativamente considerável no canto da própria tela principal. Mas sem o estilo de Platinum: para acessar um item, é necessário rodar toda a lista de novo. Porém com o tempo você acaba a se acostumar com a mesma. Mesmo que na maior parte do tempo o periférico fique oculto.
Finais e começos
Por mais alheia à região que eu seja, é necessário ser justa aqui, e diferenciar críticas construtivas de ódio gratuito. Afinal, assim como em todos os remakes anteriores, BDSP é inspirado de maneira fiel ao jogo base, e não a uma eventual terceira versão. Logo, acontece exatamente o que você deve estar a imaginar, ou seja, a Battle Frontier e o Distortion World não devem ser considerados um ponto negativo, tampouco uma falha do jogo, dado que o mesmo comportamento se repetiu em praticamente todos os remakes anteriores. Porém, respeitando as mudanças ocorridas nos últimos anos, funções novas são estabelecidas.
A primeira das “novas” funções é a personalização de personagem. Ironicamente, é possível utilizar o estilo de Platinum em seu protagonista (apenas para quem comprar até fevereiro de 2022). A função se torna disponível após alcançar a cidade de Veilstone City, onde fica o novo shopping, estabelecido no lugar do antigo Game Corner, como disse acima. O Grand Underground desponta como uma das principais atrações do remake. Melhorado drasticamente em relação a versão de 2006, o subsolo de Sinnoh agora apresenta câmaras especiais, onde você pode capturar Pokémon não necessariamente nativos da região (resolvendo parcialmente o famoso problema dos Pokémon de fogo). Além disso, você já pode jogar Online com seus amigos ou pela internet. O subsolo de Sinnoh é a aplicação mais próxima de um MMO que já se teve na franquia.
Já o Pal Park, utilizado antigamente para transferência de Pokémon de gerações anteriores, agora se chama Ramanas Park, e é o responsável por trazer outros lendários para o jogo – porém apenas das três primeiras gerações. Aliás, esse é outro fato a se notar. Em BDSP, estão disponíveis apenas Pokémon das quatro primeiras gerações. Também de maneira irônica, a Pokédex parcial retorna: com todos os Pokémon que aparecem na lista de… Platinum.
Felizmente, alguns pontos básicos – e diga-se de passagem insuportáveis – dos jogos originais foram removidos. Não existe mais a paciente e incômoda espera para a diminuição das barras de HP. A velocidade do overworld também parece um tanto quanto mais rápida que em relação a Diamond e Pearl. As HMs são transformadas em funções do Pokétch, que invocam Pokémon aleatórios para as funções, tal qual o Poké Ride de Alola. Vindo da parte de uma pessoa que transformou seu Empoleon em HM Slave durante a primeira visita por Sinnoh (sim, eu fiz isso), essa é uma das mais respeitosas e notáveis mudanças. Resumindo: agora temos um jogo muito mais ágil, e Bidoof oficialmente perde uma de suas serventias, restando apenas sua adorável fofura como motivo para inclusão em vossas equipes.
Apesar de não termos Battle Frontier, somos agraciados com o retorno dos Contests. Ausentes desde ORAS em 2014 (e provavelmente fazendo sua última aparição na franquia), os concursos retornam num estilo mais “Rhythm Heaven”. Para vencer um evento, além de ter o Pokémon certo, é necessário ter o timing para ficar com o primeiro lugar. Apesar de interessante, o Super Contest de Hearthome é um tanto quanto… Sem vida. Seja pela falta de ação dos Pokémon durante o evento, ou pela tarefa repetitiva para conseguir êxito, é certamente uma atração que vais jogar uma vez e encostar em seguida.
Os Poffins também retornam, com uma jogabilidade independente do touch (que tira muito de sua essência original) e a Amity Square. Inclusive, é na própria praça onde você desbloqueia uma das novidades mais fofas e ao mesmo tempo de maior gosto duvidoso possível no jogo: os Pokémon seguindo. Durante o pré-lançamento de BDSP, várias imagens contendo lendários rebaixados te seguindo foram postadas, porém espere: nem tudo é um esgoto a céu aberto, como parecia ser. Diversos Pokémon estão sim em escala. Alguns maiores que o tamanho de facto, outros menores (e outros muito menores). Alguns até sem movimento. Porém, isso certamente não se enquadra na grande maioria dos casos. Colocar minha Swablu para passear é certamente uma das funções mais divertidas que existe (ainda mais quando se pode ganhar itens com isso!).
As funções online, introduzidas de maneira revolucionária em Diamond e Pearl, não repetem o feito desta vez. É algo bem básico, pra falar a verdade. Você ainda pode se comunicar com vários jogadores ao redor do mundo, consegue batalhar com seus amigos localmente, mas termina por aí. Exato, nada de série nova de ranqueadas como em ORAS ou USUM.
Talvez a minha relação turbulenta com Sinnoh me faça suspeita de falar, como já disse acima, mas certamente não digo que BDSP sejam os melhores jogos de toda a franquia. Também não beiram a perfeição. Mas esses jogos trouxeram uma sensação diferente da região para mim. Apesar de todos os seus problemas, os remakes me levaram a algo que não tinha conseguido com as versões originais: a vontade de jogar, de pegar de novo, de não querer deixá-los de canto.
Mesmo sendo essencialmente a mesma história, existe algo de diferente que não o deixa cansativo de se jogar, e que finalmente traz o prazer de ligar seu Switch para passar mais algumas horas explorando a tão reverenciada região. Além da questão pessoal, BDSP também inova e simboliza de maneira indireta uma mudança completa na forma de pensar da própria Pokémon Company.
A Poké-Perestroika
O protecionismo extremo de todos os anos anteriores (e muito provavelmente o hate de SwSh) deu lugar a uma – ainda que sutil – notável abertura para outra empresa desenvolver seus jogos, trazendo uma bagagem e ótica completamente novas à franquia, e aumentando as expectativas ainda mais para o que nos aguarda nos próximos anos. Talvez com a já discutida nona geração? Ou com uma série nova ao melhor estilo Let’s Go? No pior dos casos, o futuro de Pokémon não parece mais ser tão nefasto quanto o previsto por diversos fãs durante o advento de Sword e Shield. Apesar disso tudo, é inegável que a ILCA parece ter apenas “cantado a bola” para o lançamento de Legends: Arceus, esse sim o verdadeiro remake de Sin… quero dizer, o jogo na “nova região” de Hisui.
Tal qual como a Perestroika (abertura, em russo), introduzida por Gorbatchev no final dos anos 80, essa mudança é um salto no escuro. As intenções são as melhores: aliviar o tempo de produção de ambas as equipes, e proporcionar melhores jogos em longo prazo. Porém podem trazer na prática uma eventual descaracterização, ou desleixo por parte da série, como alguns já apontam ser o principal problema de BDSP. O sucesso ou fracasso dessa nova forma de produção vai depender do futuro – e das vendas.
Brilliant Diamond e Shining Pearl são o arremate definitivo que a região precisava receber depois de uma década e meia. Para os fãs de longa data, é uma compra mais do que obrigatória. Um definitivo banho de nostalgia. Para os que vão explorar a região pela primeira vez, é uma porta de entrada que não deixa a desejar em nada a obra original. E para os que não a apreciaram na época, como esta que vos fala, esta é a chance absoluta da redenção. Após mais de sete anos de espera, se mesmo com tudo isso você ainda não gostar do jogo e não mudar um mínimo do seu conceito com a região, com a maior sinceridade do mundo, talvez Sinnoh não seja para você. A melhor alternativa certamente será esperar mais alguns anos para o já aguardadíssimo ‘”remake-pré-confirmado-pela-fanbase-de-Unova”. Que comecem as novas teorias!
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