Talvez muitos dos leitores não lembrem, mas no inicio da década de 90 nossa atenção com jogos eletrônicos era dividida entre o que jogávamos dentro de casa e o que jogávamos fora de casa. As máquinas de arcade eram tão comuns que nem era necessário visitar um local dedicado; Elas muitas vezes estavam disponíveis no barzinho da esquina ou até mesmo no barbeiro. Bastava uma ficha e pronto, você tinha a chance de terminar o jogo inteiro com apenas 25 centavos.
Foi neste contexto que nasceram os brawlers, comumente apelidados de beat’em up. A premissa é simples: Você tem acesso a um conjunto de golpes normais e especiais bastante simplificados (ao menos quando comparado a um jogo de luta padrão) e deve derrotar todos os inimigos na tela para então prosseguir. Mesmo sendo simples, há uma grande margem para tornar cada jogo único. Double Dragon, Turtles in Time, Power Rangers: The Movie e Altered Beast são somente alguns exemplos, mas o jogo mais importante para o gênero sem sombra de dúvidas é Final Fight.
Sucesso absoluto no arcades, o jogo da Capcom recebeu uma versão exclusiva para o SNES e somente veio aparecer no Mega Drive com o lançamento (pouco popular) do Mega CD. Donos do Mega Drive não tinham o que reclamar da oferta de jogos do gênero, mas Final Fight fazia tanto sucesso que era impossível ignorar. Com isso em mente, a SEGA se viu na obrigação de criar seu próprio Final Fight e, assim, nasceu Streets of Rage, um jogo com premissa e ambientação muito semelhante ao jogo que o inspirou.
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The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom
Lançamento: 26/Set/2024
Mesmo sendo divertido, o primeiro jogo da série nunca foi considerado no mesmo nível que seu rival. Personagens pequenos e poucos detalhados, cenários com muito potencial, mas pouco desenvolvidos, dificuldade desbalanceada e mecânicas muito básicas o impediram de ofuscar o brilho do jogo da Capcom. Mas a SEGA não desistiu tão fácil, e logo em seguida começou a preparar uma sequencia que melhoraria em quase tudo. SoR2 é um jogo lindo de morrer, com uma trilha sonora incrível, cenários detalhados e variados, inteligência artificial muito bem programada e personagens únicos e bastante divertidos. A SEGA conseguiu não somente se igualar a Final Fight como, para muitos, ultrapassar o título da Capcom.
Depois de uma sequencia que fez menos barulho e um hiato de quase dezesseis anos, a franquia foi licenciada pela Dotemu em parceria com a Lizardcube e Guard Rush para desenvolver uma sequencia. Longe do contexto da primeira metade da década de 90 e da época de ouro do gênero, será que Streets of Rage 4 consegue fazer os fãs se sentirem em casa ao mesmo tempo que traz novidades para o gênero?
O brawler
Pode não parecer, mas entender o que faz certos tipos de jogos tão divertidos e satisfatórios é algo muito complicado. Pegue o exemplo de Donkey Kong Country: Um jogo que possui um ritmo de jogabilidade extremamente fluido, onde uma ação é levada diretamente a outra de forma orgânica. O jogo possuiu duas sequencias desenvolvidas pela mesma empresa com uma certa cadencia após o lançamento do primeiro. Outros estúdios podem até tentar replicar os visuais, a trilha sonora, o carisma e a estrutura de jogo, mas nenhum conseguiu reproduzir a mesma fluidez de level design tão bem. Isso é, até DKC Returns e Tropical Freeze, praticamente quinze anos depois.
O trabalho para reproduzir um elemento tão central daquela experiência, ao mesmo tempo que evoluía os demais elementos da série, necessita de muito estudo e um olhar sensível ao projeto original. Outro ótimo exemplo é o trabalho fenomenal da Aquiris em recriar, com Horizon Chase Turbo, a experiência de jogar clássicos como Top Gear e Outrun. Não é necessário ter a mesma equipe desenvolvendo um jogo para dar continuidade a uma idéia, nem sequer que esse jogo faça parte da mesma franquia, mas sim entender bem os elementos que fazem aquilo funcionar tão bem.
E foi este o objetivo principal da equipe de apenas cinco pessoas que desenvolveu Streets of Rage 4: Fazer um beat’em up urbano que conseguisse reproduzir tudo aquilo que fez jogos como Final Fight e Streets of Rage tão popular, ao mesmo tempo que evoluem os aspectos que fazem sentido nos dias de hoje. A estética urbana, suja, com ambientes destalhados e críveis; A trilha sonora otimista e contagiante; Os controles simples, chefes marcantes, situações bem boladas e inteligência artificial bem desenvolvida. Não basta apenas saber esta composição, precisa saber como executa-los e fazê-los conversar entre si. E nesse sentido esta equipe tão reduzida parece ter acertado em cheio.
As Ruas
Sabe quando você está assistindo um filme, escutando um album musical, lendo uma revista ou até mesmo tomando um café e todos os elementos estéticos que compõem aquela experiência trabalham em conjunto para transmitir um sentimento ou mensagem bem específica? Se lembra quando você jogou Cuphead e se sentiu inserido numa animação da década de 20? Ou quando jogou a fase Bramble Blast de DKC2: Diddy’s Kong Quest e sentiu uma leveza que chega anulava o estresse do desafio?
Um bom trabalho estético é aquele que elenca o sentimento que aquela experiência deve causar e trabalha os elementos que vão fazer o produto alcançar aquele objetivo. Streets of Rage 4 nos apresenta ambientes urbanos representados por um nível de detalhe absurdo em seus cenários. Cada pequeno detalhe foi desenhado a mão e posicionado de tal forma que faz total sentido naquele mundo. Nenhuma tela é igual a alguma outra, um rígido contraste com a repetição de inimigos tão necessária em um jogo do tipo. O mesmo não pode ser dito dos chefes: Cada um deles é único em todos os aspectos, cheios de personalidade muito bem detalhada tanto nas cutscenes quanto durante as batalhas.
Cada personagem controlável também é cheio de carisma e totalmente distintos um do outro, possuindo uma estória prévia que ajuda a colocar contexto nas suas motivações. Grande parte dessa singularidade é alcançada através um trabalho impecável de desenhar cada uma das centenas de quadros em suas animações. A fluidez é assombrosa, um nível de trabalho em planejamento e execução que não se vê nem na indústria de alto orçamento. Do plano de fundo aos inimigos secundários, tudo recebeu o mesmo carinho e atenção necessário para fazer esse mundo ganhar tanta personalidade.
A cereja do bolo fica para o modelo de iluminação dos cenários. Engana-se quem espera um rendering totalmente estático devido à natureza bidimensional do jogo. Todos os elementos na tela podem receber a influença de diversos pontos de luz no cenário e a equipe de desenvolvimento abusou dessa técnica. Logo na primeira fase é possível ver letreiros neon sendo refletidos tanto nas paredes e piso ao redor, como nos próprios personagens. Junto disso temos reflexos em diversas superfícies, uma pesada interação com transparências e efeitos de profundidade aplicados às diversas camadas. O resultado é um visual dinâmico e surpreendente, onde poucos sidescrollers bidimensionais conseguem executar tão bem no dias de hoje.
Mas estética não é apenas o que se vê. Por incrível que pareça, eu acho que a trilha sonora de Streets of Rage 4 consegue ser ainda melhor que seus visuais. Um conjunto de músicas que captura toda a essência da luta de rua nos dias de hoje, com riffs de guitarra e batidas eletrônicas pesadíssimas que se misturam com a ocasional orquestra e ritmo étnico. Toda canção é uma crescente com o desenrolar da fase, mudando o tom junto com a ação e criando uma atmosfera inigualável. É o tipo de jogo que deve ser jogado junto a um bom subwoofer ou, no modo portátil, em bons headphones que consigam reproduzir o impacto dos graves.
Tudo isso faz de Streets of Rage 4, até o momento, o jogo com audiovisual mais bem acabado que joguei este ano. Os gráficos e trilha sonora acertam em cheio a estética que o jogo tenta passar e criam uma atmosfera envolvente que mergulha o jogador totalmente nesse universo. A execução técnica aqui é um trabalho de ponta realizado a nível minúsculo de detalhe.
A Fúria
Eu tenho que ser sincero: Não esperava tanto da jogabilidade de Streets of Rage 4. O beat em’ up puro, em especial o bidimensional, é um gênero que não recebeu muita atenção nas duas últimas décadas, tendo dado espaço ao hack n’ slash e a títulos de aventura que incorporam suas mecânicas. Parecia que não havia formas significativas de evoluir o gênero. Mas eu fico muito feliz em perceber que estava enganado.
Brawlers costumam ser jogos com comandos simples e possibilidades reduzidas, mas que empregam um fluxo de jogo satisfatório e viciante. Streets of Rage começa com tal simplicidade, mas a expande formas intrigantes. O jogo segue o básico do gênero, com um botão dedicado para ataque, outro para pulo e um terceiro para coletar itens do chão, mas adiciona um quarto comando de especial. Este não deve ser confundido com o especial de tela cheia, que ainda está presente, consome uma estrela e é realizado ao pressionar o botão de especial e de item simultaneamente.
Por mais simples que os comandos sejam, a quantidade de combos possíveis é imensa. O golpe especial comum pode ser encaixado durante a realização de uma sequencia de golpes comuns para prolongar a pancadaria e oferece uma mecânica de risco e recompensa super interessante. Toda que vez que são utilizados, os golpes especiais drenam um pouco do vitalidade do personagem, mas esta vitalidade perdida pode ser obtida de volta ao realizar outra sequencia de golpes. Isso gera uma necessidade de se manter sempre ativo, mas ficar de olho nas suas defesas para não deixar de reaver os danos causados pela sua utilização. Ainda é possível usar uma forma defensiva desses golpes e até mesmo uma forma aérea, tudo para não perder o fluxo do combate.
E o jogo te dá várias formas de manter esse fluxo. Uma delas é que a extremidade da tela funciona como uma parede, onde os inimigos arremessados em sua direção são lançados de volta, abrindo oportunidade para usar golpes que antes terminariam um combo e combina-los com outra sequencia quando o inimigo retornar. Pode parecer algo simples, mas a introdução dessa parede imaginária muda completamente a forma como um jogo desse é jogado. Os combos não mais terminam ao arremessar inimigos, tudo continua de forma muito natural. Outra novidade é que é possível arremessar armas contra inimigos e resgata-la antes de cair no chão, criando outra oportunidade para combinar múltiplas sequencias.
E acredite, você vai querer desenvolver os maiores combos possíveis porque esta é a única forma de ganhar vidas extras no jogo. Streets of Rage 4 é um jogo desafiador que está longe de ser injusto, mas que leva em consideração que você está colocando em prática as mecânicas que são oferecidas para ganhar o maior número de vidas possíveis. Claro, existe um modo fácil e, além dele, ainda existe a opção de diminuir sua pontuação em troca de algumas vidas extras, mas acredito que o desafio é tão balanceado que a maioria dos jogadores vão sentir prazer em se aventurar nas demais dificuldades e batalhando pelas chances de continuar a aventura.
Esse balanceamento todo se deve a um trabalho de IA impecável. Cada tipo de inimigo é bastante distinto e o jogo introduz novos tipos até mesmo na última fase. Eles vão circular o jogador em busca de aberturas na sua defesa para só então atacar. As vezes a quantidade de ataques simultâneos pode parecer algo sufocante, mas cada inimigo possui uma forma clara de telegrafar o seu próximo movimento e é muito satisfatório perceber essas nuances e criar estratégias em tempo real. Em nenhum momento eu senti que o jogo estava simplesmente apelando, como era tão comum na época dos arcades para ganhar nosso rico dinheirinho. O desafio aqui é real e motiva o jogador a desenvolver suas habilidades e tentar novamente.
Por fim, tudo isso pode ser jogado ao lado de um amigo de forma local ou online. Além de ser uma experiência muito divertida por si só, jogar acompanhado permite realizar alguns combos que não são possíveis sozinho.
O Pacote
Toda essa estética incrível e jogabilidade refinada é entregue num pacote muito bem acabado. A estória principal é cliché e simples, mas é muito bem sucedida por empolgar o jogador e fazer entrar no clima. Ninguém espera estórias complexas vindo de um brawler, mas a simplicidade aqui parece intencional para colocar o jogador em situações interessantes e eu acho isso uma ótima escolha. A boa notícia é que ela se estende por um tempo adequado para os dias de hoje, longe das limitações do arcade. Ao terminá-la, outros modos de jogo são liberados, incluindo uma de senquencia de chefes que é bastante divertido e um modo arcade para os que querem realmente ser desafiados.
O jogo também abraça seu legado de forma bem legal. Várias máquinas de arcade estão espalhadas pelos cenários, e ao executar certa ação é possível ser transportado para uma tela baseada nos jogos antigos da franquia, com direito a filtro low-fi e tudo. Além disso, ao acumular pontos com os quatro personagens principais é possível destravar vários lutadores clássicos, incluindo versões clássicas dos lutadores principais, que funcionam de forma bastante similar aos jogos antigos da franquia. Isso incentiva o jogador a conseguir acumular uma pontuação geral cada vez maior.
Além disso, o jogo inteiro está em Português, há uma opção para mudar o tipo de comida apresentada (incluindo opções veganas) e a versão física vem com um chaveiro super legal. Um trabalho desse nível esperava-se que custasse caro, mas Streets of Rage 4 foi lançado por apenas U$ 25. Um valor muito justo para a experiência que proporciona.
Geração Y
Uma ambientação incrível, visuais muito bem refinados, trilha sonora fora da curva e absurdamente gostoso de jogar: Uma sequência que acerta em cheio tudo que fez do brawler um gênero tão amado e expande em todos os sentidos. Streets of Rage 4 é a evolução máxima de um gênero que não via novidades a bastante tempo.
Um brawler sensacional
Uma execução impecável de todos os elementos que compõem um bom beat em’ up com espaço para evoluir o gênero de forma significativa.
- Design
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