Desde os Jogos da XXVª Olimpíada de Barcelona em 1992 (nome completo do evento), temos ao menos um game oficialmente licenciado pelo Comitê Olímpico Internacional. De lá pra cá, os “jogos dos Jogos” foram ficando cada vez mais auténticos e realistas, trazendo o espírito olímpico às casas e as ruas durante os anos da disputa mais importante do planeta. Várias gerações de consolas já tiveram a honra de terem seu próprio quadro de medalhas na tela. E dessa vez, chegou a hora da Switch.
A volta dos que (não?) foram
Após praticamente duas décadas, um jogo da série principal retorna a uma consola da Nintendo. Muito provavelmente agora deves estar a se perguntar quanto a franquia de Mario e Sonic. Pois bem: O jogo que inaugurou a série e decretou o fim da “guerra fria” entre Nintendo (bloco soviético) e Sega (setor estadunidense) foi primeiramente lançado para a edição de Pequim, em 2008.
Recomendação de Compra
Mario & Luigi: Brothership
Lançamento: 7/Nov/2024
Apesar de também ser uma versão licenciada pelo COI, ela não faz parte da série principal: trata-se de uma espécie de “spin-off de luxo”, algo como Pokémon Mystery Dungeon ou GO, poderia dizer. Possui tantos fãs quanto a série core, e possui fama maior do que com a própria sequência inicial. O jogo de Mario e Sonic possui um apelo tanto visual quanto em jogabilidade mais dedicado às novas gerações e as peculiaridades de cada console da Nintendo, além de ser um exclusivo – algo que dificilmente acontece na série olímpica principal.
O ano de 2008 também marcou a passagem dos direitos da Eidos Interactive para a Sega, o que possibilitou a criação de uma série própria para o ouriço e o encanador (abreviado como MS). Com a exclusividade, a Nintendo acabou por não receber mais nenhum jogo da série olímpica tradicional, estes a ficar para as demais consolas e PC. A última vez que isso tinha acontecido fora nos jogos de inverno de 2002, realizados em Salt Lake City, quando o GBA recebeu uma versão própria. Além disso, desde Londres 2012, a SEGA optou por seguir apenas com Mario e Sonic durante Sochi 2014 e Rio 2016 (2018 foi o primeiro ano sem qualquer jogo olímpico desde 1992). Por essas e outras que esta edição representa um retorno histórico para a série.
Tu é quem jogas – literalmente
Mas bem, vamos falar do game em si, afinal. Tokyo 2020 apresenta logo de cara um recorde de nações participantes: são 80 delegações diferentes nos cinco continentes. Mesmo com a insistente ausência de países com menor expressão olímpica, como a Venezuela e a Coreia do Norte, ainda é apresentado ao jogador uma sensação de progresso constante, e uma excelente distribuição geográfica.
Um dos pontos chave do jogo é a criação do teu perfil. Ao contrário das edições anteriores, em Tokyo 2020 tu tens a oportunidade de se tornar um atleta olímpico – ao menos no videogame. O jogador tem a chance de criar uma personagem que irá representá-lo nos eventos disponíveis, sejam single player ou online. Não existe restrição de gênero alguma na customização (muito menos no resto do jogo), o que torna viável a qualquer um poder se recriar de forma quase fiel a realidade. Apesar do visual cartunesco, corpo levemente desproporcional e pele quase sempre com um aspecto “besuntado de óleo” (e não estou falando do representante de Tonga na Rio 2016), que se dissocia da proposta artística das edições anteriores, os resultados finais são um tanto quanto razoáveis, para não dizer satisfatórios.
Desleixo em nome da diversão
O menu principal é simples. Existem as opções diretas para modalidades, jogo online, treino, personalização de avatar, uniformização e histórico. Em relação tanto ao título tradicional de 2012 ou quanto a MS2016, temos um decréscimo no número de esportes disponíveis: apenas 18 – isso quando se leva em conta que três deles foram adicionados apenas um ano depois do seu lançamento oficial.
Para quem não sabe, o jogo foi originalmente lançado ainda em 2019 ainda como exclusivo do PS4. Para Ele seria liberado para as demais plataformas (Xbox, Switch, Stadia e PC) só em 2020, mas com o adiamento da Olimpíada, o prazo acabou sendo levado para o ano seguinte.
Várias das modalidades olímpicas nessa edição ficaram de fora. Ausências notáveis são o arremesso de dardo, Vôlei de quadra, Skate e Surfe (essas duas últimas, modalidades estreantes nos Jogos, onde o Brasil desponta como favorito ao Ouro). Apesar disso, o Beisebol, um dos esportes de volta à Olimpíada, está presente no game. O judô, esporte introduzido nos primeiros Jogos de Tóquio em 1964, também faz parte da festa.
No modo online, tu (obviamente) podes enfrentar outros jogadores ao redor do mundo, em partidas ranqueadas. Apesar disso, um ponto curioso – ainda que questionável – é a introdução dos eventos por hora na modalidade ranqueada. Entre certos períodos do dia, sempre apenas três modalidades estão disponíveis para multiplayer online valendo classificações. De hora em hora eles se alternam, e pode ser visto um cronograma com os próximos eventos ainda por vir.
O conceito é interessante, uma vez que a espera por aquele seu evento preferido estar disponível mundialmente acaba se tornando a mesma de como se realmente estivesses a aguardar para assisti-lo na TV. Apesar disso, a restrição pode incomodar alguns usuários, que podem vir a abandonar o jogo ou o modo online ranqueado por terem uma paciência (bem) curta.
Uma das maiores decepções com o game é o multijogador. Ao contrário de MS2020, a versão tradicional não permite dividir os controlos para duas pessoas jogarem, o que acaba sendo um tanto quanto incômodo, e deixando de lado um atrativo absurdamente bom da própria Switch. Para jogar, você precisa de dois pares de Joy-Con ou um Pro Controller extra. Além disso, caso o segundo jogador não tenha uma conta Nintendo vinculada, será associado um avatar aleatório para ele. Nos modos online, um medley completo (com sete partidas), facilmente pode sofrer instabilidades e ser encerrado abruptamente durante a disputa. E sem opção de salvamento prévio.
Os eventos são básicos, e constam sempre de três rounds: fase qualificatória, semifinais, e final. Para receber uma medalha, você necessariamente precisa avançar até o última fase. Os jogos são divertidos, apresentam um nível de dificuldade desafiador, e são curtos o suficiente para não te enjoar. Apesar disso, a física deles é distorcida de forma a não se adaptar com a proposta artística do jogo. Durante uma partida de Futebol, por exemplo, tu literalmente tens a sensação de estar a jogar uma partida de Ronaldinho Soccer, sejam com os controles extremamente básicos, os jogadores que quase não andam, a bola que parece estar colada ao chão, ou o narrador (ainda que em português) a descrever ações genéricas.
Em compensação, modalidades como o tênis ou o baseball se mostram um tanto quanto fluidas e objetivas. O revezamento 4x100m também chama a atenção de maneira positiva. Outro ponto a mais são as marcas, parelhas com as oficiais. Por exemplo, ainda que seja possível ao jogador atingir marcas sobre-humanas nos 100m rasos (ou seja, abaixo de 9 segundos), a maioria dos NPCs irá fazer um tempo dentro da média real. O mesmo vale para o ritmo de pontuação nos demais esportes presentes.
O Time Portugal, Brasil ou Angola, mas do vosso jeito
O modo de uniformes acaba a se destacar como um dos mais interessantes no jogo. Por lá, é possível personalizar individualmente como seu avatar estará trajado. Não existem restrições, você literalmente pode escolher ir com roupa de natação para um evento de rúgbi, ou usar os uniformes especiais desbloqueáveis, que vão desde uma roupa de astronauta, uma versão “roupão de estádio” de Miraitowa (mascota dessa edição), ou até mesmo o próprio Sonic. Nada que interfira em seu desempenho, seja para melhor ou pior.
A melhor parte, que torna esse modo tão curioso, é a introdução das equipas. Além de você, mais 16 personagens de CPU (que muito bem poderiam ter sido escolhidos como avatares de multiplayer local) estão disponíveis para a delegação do seu país, e a cereja do bolo: são completamente editáveis. Eles competem ao seu lado em eventos colectivos, como o tênis de duplas, Futebol, basquete, revezamento 4x100m, entre outros.
Por fim, temos a seção Meus Dados. Lá tu irás encontrar a classificação com os recordes globais para cada modalidade, a galeria de dicas que o jogador vai conseguindo conforme progride nos esportes, o progresso global individual para “zerar” o jogo, os créditos, a secção de idiomas, e as estatísticas detalhadas do single player, divididas por evento e estilo.
O som é um ponto que ainda que seja interessante, deixa a desejar. Há apenas umas quatro ou cinco músicas disponíveis no jogo, e muitas delas entram em loop com muito pouco tempo. Somente uma música é cantada, e por mais cuidada que seja, você só a ouve durante a customização de avatar.
Uma quimera sem sentido
Ao criar Tokyo 2020, a SEGA acabou por canibalizar a própria produção. A série principal se tornou concorrente do seu próprio spin-off. Para os usuários de Switch, o jogo de Mario e Sonic é evidentemente uma compra muito mais completa e necessária, ainda que seja um pouco caro.
O jogo tradicional, ao misturar características cómicas (que se adaptariam muito melhor em MS), terminaram por criar uma espécie de game completamente ausente de nexo, tão aleatória quanto os rolês do Ronaldinho Gaúcho, que pode pouco agradar os que estivessem a esperar uma versão mais auténtica e comprometida com a realidade, como ocorrera nas edições anteriores. Claro que é legal levar a Sailor Moon ao pódio, mas seria mais legal ainda poder ter uma counterpart a MS2020, que herdaria de forma muito melhor todos esses devaneios introduzidos na série principal.
Com um ano a mais disponível devido à pandemia, a sensação passada é que faltou um polimento e um equilíbrio mínimos ao jogo, que o deixaria num nível tão aceitável quanto seu antecessor de 2012. Ainda assim é uma boa pedida, capaz de garantir boas risadas durante as partidas, e aumentar ainda mais a expectativa para os Jogos, que enfim começam dia 23 de julho.
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