Projetar um jogo é, comumente, um processo que começa com uma demanda. Alguém percebe uma lacuna no mercado e então parte para entender a problemática em cima dela, desenvolvendo uma solução que atenda este problema. Raramente temos um processo que começa do nada, uma idéia que surge antes mesmo de sequer entender qual mídia poderia dar sua forma. Raramente temos um jogo como Pocket Monsters, conhecido no ocidente como Pokémon.
Uma longa caminhada
O que viria a ser conhecido como Pocket Monsters começou com os rabiscos de um adolescente, o pequeno sonho de um dia dar vida à idéia de monstros batalhando entre si. Claro que na época sequer se sabia a forma que Capsule Monsters, nome do projeto, tomaria, se seria um mangá, animação, brinquedo ou, talvez, um jogo, mas a proposta estava lá.
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Lançamento: 26/Set/2024
Nos anos subsequentes esta proposta viria a tomar forma. Ganharia uma mídia, um console, um acordo de exclusividade bancado pela maior editora da época e, finalmente, aspectos de jogabilidade que definiriam sua natureza: Capturar, treinar, batalhar e trocar monstros. Não era mais uma idéia, mas sim um produto bem definido, bem projetado e, principalmente, bem executado. O resultado de lentos anos de trabalho. Uma idéia genial de um garoto que não tinha noção que, em pouco tempo, se tornaria a franquia multimídia mais bem sucedida do mundo.
Capturar, treinar, batalhar e trocar
O núcleo de Pocket Monsters não é nada fora do comum quando observado sua natureza como RPG. Alguns elementos apenas estão contextualizados de forma diferente, mas de forma geral é possível traçar claros paralelos a jogos como Final Fantasy VII, lançado na mesma época.
As batalhas são estruturadas em turno, porém não ocorrem em tempo real. O jogador tem todo o tempo do mundo para escolher sua próxima ação, sem se preocupar com uma barra sendo preenchida para definir o ritmo. Aqui sempre serão um personagem da sua equipe contra um personagem da equipe adversária, onde a aventura da Square pode chegar a três contra múltiplos. Os Fire, Fira e Firaga aqui são Ember, Flamethrower e Fire Blast, havendo algumas variações a depender do tipo. Esses ataques são aprendidos através de TM/HM, uma mecânica mais efêmera quando comparado com as Materia.
A grande diferença, no entanto, está nos números. Onde antes éramos acostumados a escolher três entre nove personagens possíveis, aqui temos que escolher seis entre cento e cinquenta, podendo até repetí-los caso queira. Sim, estamos contando pré-evoluções nesses números, mas a possibilidade está presente. Cada um desses monstrinhos pode saber até quatro ataques e possuir um ou dois tipos. As possibilidades aqui são imensas e elas começam a partir do primeiro minuto do jogo, onde é necessário escolher um entre três possíveis companheiros para começar sua jornada.
Pode não ser claro de início, mas esse leque de opções torna o jogo bastante imprevisível ao jogá-lo pela primeira vez. Sim, esta é uma aventura com estrutura bastante linear, com a exceção de uma pequena escolha em meados do mapa que culmina em praticamente o mesmo resultado, mas as decisões de como formar sua equipe e as consequências que isso traz torna a aventura de cada pessoa totalmente diferente dos demais. Esta é a sua jornada e de mais ninguém, um sentimento de pertencimento e, por consequência, imersão no mundo que Pocket Monsters executa tão bem.
A expansão de um universo
Semelhante a outras mídias, como livro ou filme, o jogo constrói um universo e tenta ao máximo inserir o jogador nele. O Santo Graal da imersão nos jogos é buscado por todos, mas sua eficácia depende das boas decisões ao projetar seu mundo. Mas existe um outro nível de imersão, aquele que transcende a mídia e transborda ao mundo real. Esta é a grande sacada de Pocket Monsters.
De forma geral, um dos objetivos do jogo é se tornar o maior treinador da região de Kanto. Para isso, o jogador batalha contra vários treinadores e todos os oito líderes de ginásio, encontrando e capturando até mesmo alguns monstrinhos lendários ao longo do caminho. O outro objetivo, opcional para grande parte dos jogadores, mas tão importante ao ponto de ser estampado na própria capa do jogo, é capturar todos os 150 monstrinhos disponíveis.
O que não fica muito claro é que, de forma prática, toda essa aventura funciona como um grande tutorial. O jogo ensina a capturar, a treinar, a batalhar e trocar, te dando oportunidade de colocar cada uma dessas atividades em prática para entender suas diversas facetas. No entanto, a qualquer momento da aventura o jogador pode conectar com o jogo de um amigo, que por sua vez passou por uma jornada totalmente diferente, para trocar e batalhar. O universo do jogo não mais se resume a um cartucho de Game Boy, mas também às pessoas à sua volta. Pocket Monsters não é apenas mais um jogo, mas sim uma experiência social.
É fácil desconsiderar a importância dos aspectos sociais do jogo o observando com a ótica de 2020, mas a possibilidade de treinar, batalhar e trocar seus próprios monstrinhos com o de um amigo (ou até desconhecido) era impressionante em 1996. De forma geral, as mesmas regras e interações do mundo virtual se aplicam ao mundo real. Num piscar de olhos o universo de Pocket Monsters se expande. Onde antes era um avatar virtual caminhando através de um mundo de fantasia e sendo desafiado pelo próprio jogo, agora é uma estudante escolhendo seus adversário na sua própria escola. É a realização dos sonhos de aventura de qualquer cirança da época. O Game Boy deixa de ser o centro das atenções e passa a ser apenas um artefato para essa interação, uma interface para se conectar a seus monstrinhos.
As implicações dos aspectos sociais de Pocket Monsters são difíceis de se mensurar. Transpor uma experiência lúdica para fora de seu próprio universo é uma tarefa difícil que a maioria dos projetistas não ousam tentar, mas aqui é executada de forma tão magistral que praticamente se tornou um molde para experiências futuras.
Um Pokédex perfeito
É difícil entender algum aspecto de seu projeto como sendo o “principal” fator para seu sucesso, mas é fácil apontar para aquele que recebeu a maior atenção: O Pokédex. Se tinha algo que seus criadores entendiam como importante, era que os monstrinhos, basicamente a face da franquia, precisavam ser memoráveis.
É com isso em mente que os designers se propuseram a projetar o melhor Pokédex possível. O resultado, 150 monstrinhos (mais um secreto), seria a culminação de anos de idéias, lapidando cada aspecto para apresentar propostas que seriam lembrados, com muito amor, décadas no futuro.
É interessante observar que alguns monstrinhos permaneceram praticamente intactos ao longo dos anos. Rhydon, Nidorino, Khengaskhan, Gengar e Slowpoke, só para citar alguns, receberam pequenas modificações durante o desenvolvimento, mas ainda são bastante reconhecíveis. Diversas propostas eram tão boas que, depois de introduzirem a mecânica de evolução, foram expandidas. Ivysaur, por exemplo, recebeu uma forma evoluída e uma predecessora, sempre introduzindo aspectos que faziam sentido em uma evolução de idade, como a idéia de semente, flor e árvore para o supracitado.
Mas também haviam diversas idéia que passaram por inúmera iterações, e outras muito boas que inclusive foram desconsideradas e reutilizadas em jogos seguintes. O mote aqui não era pegar todos, mas sim fechar nos 150 melhores. O time tinha apenas uma chance de fazer isso funcionar e não podiam se dar ao luxo de incluir um monstrinho que não fosse simplesmente perfeito. A regra aqui era equilíbrio e diversidade, utilizando conceitos comuns para criar uma facilidade em reconhecê-los. Pikachu é um camundongo e Khangaskhan é um canguru, mas eles são apresentados de uma forma tão única, e com uma linguagem visual tão bem unificada, que são totalmente descontextualizados quanto à sua natureza no mundo real. Até monstrinhos que normalmente remetem ao grotesco, como Grimer, Ghastly e Koffing, possuem um carisma inexplicável. Ademais, todas as linhas evolutivas são simples de entender e reconhecer.
Por fim, a Game Freak conseguiu desenvolver uma Pokédex que é amplamente reconhecido até hoje, mesmo que por apenas silhuetas. Um trabalho impecável e a maior prova que tempo e dedicação são primordiais para o desenvolvimento de um bom projeto, de que iterações e falta de apego são essenciais para chegar a um bom resultado.
O impacto
Pocket Monsters Red e Green foram o gatilho para uma imensa febre que tomaria o mundo no final da década de 90. Os jogos viriam a receber, como se tornou praxe, uma terceira versão, melhorada, entitulado Blue. Esta viria a ser desmembrada, renomeada para Pokémon e lançada no ocidente como Red e Blue. Uma quarta, baseada na animação de muito sucesso, chamada Yellow, também seria lançada três anos depois.
Por um tempo acreditava-se que a febre passaria e Pocket Monsters/Pokémon seria apenas uma lembrança, mas todos estavam errados. Hoje, a franquia é a maior do mundo, passando os esforços de empresas extremamente reconhecidas, como Disney, Marvel e a própria Nintendo. Seus jogos continuam vendendo muito, inclusive mais nos dias de hoje que durante a febre da década de 90. Tudo isso graças a um projeto sonhado durante muitos anos e executado com muito carinho e atenção.
Caso queira jogá-los nos dia de hoje, os quatro primeiros títulos estão disponíveis no eShop do 3DS.
No próximo Projetos Notáveis conheceremos o que faz de Biohazard (Resident Evil no ocidente) um projeto tão especial. Por enquanto, conte-nos sua experiência com os primeiros jogos de Pokémon nos comentários!
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