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Análise — A Highland Song

Para irmos do ponto A ao ponto B, quase sempre a lógica nos indica para irmos em linha reta. Mas e quando não há quase nenhuma linha reta?

Quem nunca mentalizou as Highlands — as terras altas escocesas — que atire a primeira pedra. E ao longo da história, tantas pedras já foram atiradas, que se juntaram e fizeram montanhas. As montanhas guardavam histórias, lendárias ou reais, cada qual com algo que as tornava únicas. Para conhecê-las, era necessário escalá-las. E assim, a jovem Moira McKinnon decide que é chegada a hora de atravessá-las, para poder encontrar o seu tio num farol já na saída para o mar.

A Highland Song é o novíssimo jogo da britânica Inkle, uma das poucas desenvolvedoras independentes que arrisca — com a sua própria linguagem de programação — criar experiências inéditas (como o lendário 80 Days, Overboard!, Heaven’s Vault, entre outros mais), e que particularmente, terminam por acertarem o centro do alvo na maioria avassaladora das vezes.

Acompanhei o desenvolvimento deste jogo em específico desde o início do processo, ainda nos idos de 2021. Não posso mentir em nenhum momento que toda a ambientação apresentada nos trailers foi de saltar a vista, de aumentar a expetativa para o próximo grande título da produtora. Uma aventura pelas terras altas escocesas, com um estilo artístico exímio — que me refiro principalmente sobre as sprites dos personagens serem alusivas a um desenho animado — e a trilha sonora folk sem absolutamente qualquer defeito? Era impossível esperar menos do que uma obra-prima.

E de certa forma, A Highland Song é esta obra-prima. A princípio, a sensação de jogá-lo é tão próxima as minhas primeiras experiências em BotW, mas com um “sabor bidimensional”. O estilo “2,5D” é inegavelmente o ponto alto da jogabilidade. Encaixar mapas 2D como várias camadas diferentes pertencentes a um mundo que dá a plena impressão de tridimensionalidade foi um acerto tremendo. Uma sensação similar a Paper Mario, porém com um realismo infinitamente mais notável.

A imensidão dos mapas em relação a Moira é uma grande prova do que o jogo tem a oferecer.

 

O caminho das pedras

As cadeias de montanhas compostas são primorosas, e tão bem produzidas que aventurar-se por elas pode transmitir a mesma experiência de realmente estar no dito local. Já as alterações climáticas, como chuva, fortes ventos, neve, ar rarefeito, dão um toque essencial para o jogo. E as reações de Moira durante a aventura, como a falta de fôlego, a energia perdida por dormir em locais não muito convencionais — ou até mesmo completamente exposta aos perigos climáticos presentes — aumenta a necessidade de atenção do jogador, e dá uma vida a personagem que vai muito além de preocupar-se em “não perder a energia”. Em outras palavras, a famosa imersão é impecável.

Durante a história, Moira coleta mapas nos lugares mais inesperados possíveis, que identificam os picos — todos com seus nomes em Inglês e Gaélico! — e prováveis passagens para a próxima “camada”, até que ela chegue ao farol onde vive o seu tio, Hamish. O objetivo final é alcançar o farol, não importa quanto tempo dure a viagem. Porém, caso a protagonista alcance-o em até cinco dias, uma surpresa aguarda o jogador.

Cinco dias das montanhas ao mar: é possível? Talvez.

 

Em alguns momentos, para cruzar longas áreas sem grandes formações irregulares, Moira tem a companhia de um cervo, que a guia por uma das partes mais interessantes do jogo. Para cruzar de um ponto a outro, a protagonista deve seguir uma pequena sequência rítmica, alternada entre os botões X e Y (função opcional, que pode ser adaptada pelo menu). Durante esta travessia, a trilha sonora cumpre e faz mais do que jus ao esperado, com os seus temas tão pertinentes quanto especiais para a ambientação.

Além das montanhas, também há várias cavernas com entradas em lugares ocultos, que escondem diversos segredos, bem como passagens que seriam impossíveis de serem atravessadas por rotas visíveis. É simplesmente impressionante — com o perdão do trocadilho — a profundidade e a densidade de um mundo 2D. E, de uma maneira tão inesperada quanto, este soou ser um dos grandes problemas do jogo.

A parte rítmica do jogo, ainda que não presente em sua integridade, é extremamente agradável e convidativa.

 

A pedra no sapato

Devo ser honesta; os fragmentos de mapas são realistas, porém em vários momentos beiram a inutilidade. Afinal, a montanha X tem um caminho para a Y, isto é certo. Mas dúvidas como “E depois? E como posso voltar, em alguns poucos casos? Onde e como posso saber quais são os pontos de não retorno? Aquele pequeno morro que me daria um acesso mais fácil para o pico é apenas cenográfico, afinal?” importunaram-me durante todo o trajeto. Por mais que obviamente faça sentido que estas dúvidas façam parte da imersão, por alguns momentos sentia que não fazia ideia de onde estava, salvo por um cume específico presente em algum mapa, e que apenas deveria ir para qualquer lugar sem o menor rumo para descobrir onde aquilo acabava (o que de certa forma, por algumas vezes atrapalhava até mais o processo).

O enredo também deixa um pouco a desejar. Por vezes, parecia estar a ouvir três histórias diferentes (para ser honesta, até agora ainda não consegui determinar quantas são em simultâneo, ou se são apenas uma só. Certamente existe algo interessante nisto, pelos pequenos pedaços que podes compreender das lendas escocesas, mas infelizmente a história se perde no meio de todo o contexto, e termina por assumir um triste papel de coadjuvante, quando seria o “sabor” principal do jogo.

A falta de orientação dos mapas é um factor de dificuldade notável; tive de andar pela mesma montanha por três vezes para encontrar uma passagem… Para a mesma montanha da qual havia acabado de sair.

 

O fator replay, ainda que compreensível e necessário, é um pouco dececionante. Jogar pela segunda vez não tem nem ao menos o charme da primeira. Passar pela mesma montanha novamente, sem saber como cheguei lá, e sem a sensação da descoberta, é relativamente incómodo, e deu-me a sensação de que estivesse a “jogar errado”. Não saber as ligações de cada cadeia montanhosa (algo que facilmente poderia entrar no livro de notas de Moira), é uma falta primordial que faz com que, em certos momentos, o jogador pareça estar apenas a andar em círculos. E a chegada ao farol termina por ser apenas o alívio por todo o desconforto da jornada. De maneira efetiva, este é o maior problema do jogo para mim. Mas, definitivamente, não tira nem um pouco do brilho inicial.

Porém, por mais que seja um pouco desinteressante a ideia de jogar novamente, justamente por ser um jogo de runs particularmente curtas, ele sempre lhe dá o curioso desejo de voltar a explorar as várias montanhas que não chegaste a descobrir, mesmo que leve um bom tempo até saber como acessá-las. De forma simples, um fator replay mediano se retroalimenta pela efemeridade da jornada.

Foi uma experiência tranquila? Não. Já joguei três vezes e quero jogar novamente? Com toda a certeza.

 

Apesar dos — pequenos — problemas, eles certamente não chegam a destacar-se a frente do produto final. A Highland Song pode não ser um jogo para o “paladar” de todos, mas para os que venham a se interessar, há o galardão legítimo de horas de exploração e descoberta.

A Highland Song
Análise — A Highland Song
Veredito
Explorar as terras altas escocesas pode ser uma tarefa mais desgastante que o imaginado. Em A Highland Song, uma nova perspetiva o aguarda. Entre montanhas tão belas quanto mortais, a jornada de Moira rumo ao farol do seu tio torna-se uma aventura para não esquecer, por bons e (poucos) maus motivos.
Prós
Ambientação impecável
Trilha sonora pertinente
Estilo artístico e de animação marcantes
Fator replay surpreendentemente convidativo
Comandos adaptam-se perfeitamente à Switch
Contras
Subplots promissores terminam por soar confusos
Mapas são de pouca ajuda
A conclusão é um pouco dececionante
8.5
Memorável
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