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Análise – Crysis Remastered

Roda Crysis?

Lançado em 2007 em meio a muito burburinho, Crysis inicialmente não chamou tanta atenção pelos seu game design, mas muito mais pela promessa de um avanço técnico do PC como plataforma a frente da nova geração de consoles que acabara de se consolidar. O resultado foi um jogo que trazia muita inovação, inclusive na jogabilidade, mas que poucos puderam experimentar devido à alta demanda de hardware que se faz presente até hoje.

Depois de uma primeira tentativa de trazer Crysis para consoles, de uma forma menos dependente de múltiplas variações de hardware no PC, a Crytek parece estar apostando em Crysis Remastered como a melhor forma de experienciar este jogo de forma consistente nos dias de hoje, inclusive no Switch. Mas será que o resultado está dentro das expectativas?

Maravilhoso mundo novo

O primeiro jogo a usar a Cryengine 2, conjunto de ferramentas desenvolvidas pela Crytek, Crysis foi um dos últimos jogos desenvolvidos com a mentalidade de extrair o máximo do PC sem se preocupar muito em como isso iria escalar para os consoles. Ele serviu como garoto propaganda da engine, mostrando tudo o que era possível de se realizar com a nova tecnologia, mas também herdando todos os problemas inerentes das escolhas feitas pela Crytek.

Para entender o histórico de performance de Crysis é necessário entender o processo de desenvolvimento de uma engine. Durante a fase de planejamento de um projeto como este, que neste caso deve ter acontecido em meados de 2004, é necessário tomar decisões baseadas na forma que se imagina que o mercado vai tomar no futuro. Afinal, toda empresa quer que sua tecnologia seja relevante por anos a fio. O problema é que a Cryengine fora projetada para um futuro que nunca existiu.

Na época de concepção da Cryengine até próximo do lançamento de Crysis, acreditava-se que as engines da próxima geração deveriam tomar vantagem de processadores de núcleo único rodando a frequências altíssimas e GPU’s gêmeas trabalhando em conjunto. Era o futuro que o Pentium 4 rodando a 3.8 GHz e as placas de video SLI (para Nvidia) e Crossfire (para ATI) vendiam, mas hoje sabemos que aconteceu exatamente o oposto: Vivemos uma geração com CPU’s de múltiplos núcleos e threads rodando a frequências baixas e GPU’s absurdamente potentes trabalhando sozinhas.

Portanto, dizer que Crysis é um jogo mal otimizado é uma grande mentira. Muito pelo contrário, ele é um jogo bastante otimizado, mas essa otimização fora feita para um hardware que nunca existiu ou chegou a se tornar popular. Foi com isso em mente que a Crytek desenvolveu a Cryengine 3, dessa vez focando em processamento em múltiplos núcleos e threads, e pôde finalmente lançar Crysis para o Xbox 360 e PS3. Mas simplesmente lançar não quer dizer tudo e esta versão do jogo deixa muito a desejar: Framerate ruim (em especial no PS3), o corte de uma fase inteira e temperatura da cor anormal são alguns dos problemas mais conhecidos. 

E é aí que entra Crysis Remastered com a promessa de entregar uma versão decente para consoles modernos, tirando proveito das mais novas tecnologias para não somente entregar uma experiência equiparável com o PC, mas em diversos aspectos até melhor. A surpresa maior, no entanto, se deu quando essa promessa se estendeu ao Switch, plataforma à qual o jogo chegou primeiro. Crysis melhorado rodando num portátil? Deve ser bruxaria, certo? 

Maximum Graphics!

Mas eles cumpriram a promessa de apresentar um Crysis melhorado no Switch? Bem, sim e não. O resultado técnico de Crysis Remastered nem é melhor, mas também não é pior que o original. A grande novidade aqui é um sistema de iluminação global que faz toda a diferença para quem ja era acostumado com a versão de PC: A grande maioria dos elementos agora são iluminados e causam sombras entre si a partir de uma fonte de luz uniforme. E não parece haver muita concessão quanto a isso visto que até os pequenos arbustos no chão são capazes de causar sombreamento. Esse sombreamento todo, no entanto, é reduzido no modo portátil, mas a diferença não é tão perceptível.

A iluminação global não impacta apenas o sombreamento. O mundo de Crysis agora recebe uma iluminação indireta a partir do ricocheteamento de outros materiais reflexivos ao redor, uma técnica moderna que ajuda, junto ao excelente trabalho de shading em contornos, a fixar elementos de forma mais realista no cenário. Enquanto que isso é ótimo para 90% das situações, infelizmente certas cenas internas que dependiam muito de iluminação pré calculada ficam mal resolvidas, com personagens muito ou pouco iluminados a depender do contexto.

Quem conhece o jogo original vai perceber essas novidades em iluminação logo de cara, mas estas mesmas pessoas também vão sentir falta do minucioso trabalho realizado no terreno do jogo original. Eu não entendo o motivo desta versão do Switch não apresentar nenhum mapeamento parallax das texturas do piso, ainda mais quando estão presentes na versão de PS3 e Xbox 360, mas era algo tão fundamental na versão de PC que não tem como eu sentir falta aqui. Impacta a apresentação no geral, principalmente para quem ja experimentou qualquer outra versão antes, mas é algo que novos jogadores talvez não percebam tanto.

É bom lembrar que praticamente todo o resto da apresentação do PC está presente aqui. Os ambientes em mata tropical apresentam uma grande densidade de arvores, arbustos e grama que continuam respondendo à ações do jogador, balançando sempre que uma bala os encontra. Esses elementos continuam reagindo de forma natural à passagem dos raios de sol por entre suas folhas e as arvores continuam sendo cortadas se receberem dano suficiente. Dito isso, fico feliz em ver que todas as reações de destruição continuam presentes. Explosões causam grandes impactos nas edificações, mas arremessar coisas menores também e tudo isso está presente no Switch. 

A maior surpresa que eu tive, no entanto, foi como tudo isso é apresentado no Switch: O jogo não apresenta quedas bruscas em resolução, algo tão comum no sistema, e implementa um sistema de AA que raramente vemos na plataforma. Durante toda minha aventura os visuais se apresentaram limpos e estáveis, algo que até jogos da própria Nintendo, como Xenoblade, têm dificuldade em realizar.

Mas se o jogo é tecnicamente complexo e a qualidade de imagem é boa e estável, então o framerate deve ser péssimo, certo? Sim e não. Crysis é um jogo dicotômico. Em certos momentos ele te apresenta ambientes contidos com encontros modestos com inimigos, mas em outros esses encontros serão em ambientes enormes, cheios de explosões e contra uma quantidade maior de adversários. No primeiro cenário, que felizmente é o mais comum, mas não necessariamente o mais interessante, o jogo é muito estável, raramente apresentando algum problema. No segundo, porém, as quedas são graves. É algo rápido e previsível, mas causa problemas para mirar e se movimentar corretamente.

Um ponto que eu preciso levantar, porém, é na falta de atenção com as animações. Os diálogos fora de cutscenes são sempre mal acabados, com personagens estáticos e sem expressões. Até mesmo as próprias cutscenes apresentam um péssimo sincronismo labial que distrai bastante, removendo grande parte da imersão que ja não é muito grande graças à estória e personagens fracos.

Maximum Gameplay?

É muito interessante observar Crysis como apenas um jogo e dentro da sua série. A proposta de jogabilidade sempre foi te colocar como um predador, alguém muito mais capaz que sua presa e que pode procurar matá-la da forma mais eficiente possível, dando ao jogador tal liberdade de escolher o melhor método.

Para isso o jogo te dá diversas habilidades. É possível ficar invisível para se livrar de inimigos sem ser detectado, correr em alta velocidade para surpreende-los, ativar um super escudo para marchar em sua direção ou usar de sua super força para até mesmo usar um adversário como escudo. O jogo te dá todas as ferramentas para se tornar esse predador e elas, dentro de um vácuo, funcionam muito bem.

Mas apenas ter essas habilidades não é o suficiente para gerar um gameplay divertido, e é aí que Crysis flutua entre muito bom e frustrante. O primeiro problema é na IA dos inimigos, que são programados não somente para detectar sua presença instantaneamente ao entrar num campo de contato (e não de visão), como também compartilham entre si sua localização exata. Ou seja: Se algum inimigo for alertado de sua presença, todos também serão e saberão exatamente você está. Isso destrói grande parte da estratégia de tentar derrotar inimigos de forma sorrateira, onde diversas tentativas de executar tal estratégia quase sempre acabam em tiroteios desenfreados.

Outro ponto problemático na IA é a forma que ela é balanceada. Mesmo com tantas habilidades sobre-humanas à sua disposição, a natureza da programação dos inimigos, ao menos na dificuldade normal, é descarregar pentes e mais pentes de munição em você com uma mira de dar inveja. Além disso, por serem armas comuns, o tiroteio obviamente é baseado em hitscan, então a única forma de minimizar o dano é usando a opção de escudo, que por sua vez é bem limitada. A capacidade de se adaptar a uma situação adversa é bem mais difícil do que deveria ser e pode frustrar uma boa parte dos jogadores.

Diminuir a dificuldade, por outro lado, gera inimigos absurdamente burros que simplesmente ficarão olhando para o jogador e atirando em espaços maiores de tempo. A detecção global de presença, no entanto, se mantém intacta, o que é frustrante. Não aconselho jogar no fácil, mas entendo que certas pessoas apenas conseguirão progredir desta forma. Fico incrédulo de como a Crytek consegue desenvolver uma engine tão boa, mas ao mesmo tempo não se esforçou para implementar uma IA de qualidade que em 2007 ja estava absurdamente defasada.

Por outro lado, o level design é muito bom. A mata é densa e aberta o suficiente para funcionar como um bom cenário de tiroteio, mas são os postos e vilas que roubam o show. Não somente pela disposição de seus edifícios, mas pela grande quantidade de elementos que podem ser usados a seu favor. Caixas, botijões de combustível, servidores de computador… até uma galinha é possível de ser arremessada nos seus inimigos. Caso a IA consiga cooperar, o potencial de usar estes elementos para criar situações diversas é bem interessante, mas tenho que confessar que não é tão comum e diversas boas situações são desperdiçadas. Vale lembrar que a partir de certo ponto o mapas ficam mais contidos. Mesmo assim, ainda há áreas abertas, apenas em escala menor.

Uma preocupação real é na forma que um jogo como esse, totalmente pensado para PC, se traduziria para ser jogado num controle. Eu diria que, de forma geral, é mediano. Existe uma opção de ajuste de mira automático que nem sempre funciona com a precisão que eu esperava, mas há uma opção para usar o giroscópio que ajuda bastante nos ajustes finos. Porém, há um certo problema ao acessar as opções de customização das armas. O jogo pede que você segure o botão “-“ do controle, o que impede que seja possível andar e customizar uma arma, logo esta função se torna inviável no meio de um tiroteio. Infelizmente não há formas de mudar esta configuração nas opções, que por si só apresentam pre configurações relativamente limitadas.

Maximum Omissions!

Alguns pontos da experiência me deixa um pouco decepcionado. O maior deles é que Crysis não da suporte a som surround. Eu sei que o jogo original de PC não tinha essa função, afinal é comum até hoje ter apenas duas caixas ou fones de ouvido ao jogar no computador, mas eu estou jogando no Switch e som surround é algo comum em consoles desde o começo desse século. É de se esperar que um jogo nesse nível nos dê essa opção.

Um elemento do jogo original que muitas pessoas esquecem que existia era o multiplayer, e se depender de Crysis Remastered este continuará esquecido. Isso é algo um pouco frustrante porque seria a situação perfeita para fazer uso das diversas habilidades que a IA da campanha não permite, e certos mapas do jogo funcionariam maravilhosamente bem como arenas para diversos jogadores. É um potencial desperdiçado. 

Eu sei que não é algo comum mas, dado que The Witcher 3 implementou algo parecido, eu fiquei sentindo falta de algumas opções gráficas “avançadas”. Crysis é conhecido por implementar coisas do tipo, mesmo que destruam a performance do jogo, então eu queria saber até onde eles conseguiriam levar essa engine no Switch. Obviamente não é nada que vá pesar no meu veredito, era somente um desejo pessoal.

Maximum Value?

Quando falamos de Crysis Remastered, estamos falando de uma experiência que durará pouco mais de dez horas mas, devido à característica imprevisível de certos encontros, joga-lo novamente pode ser algo interessante para alguns. No entanto, estamos falando de um relançamento melhorado que custa U$ 30. É U$ 10 mais caro que Bioshock Remastered, um jogo originalmente da mesma época que Crysis, mas por outro lado existe um trabalho técnico bem maior por parte da Crytek quando comparado à 2K.

Eu confesso que é um pouco frustrante não haver um componente multiplayer que poderia dar uma sobrevida ao jogo. Não somente deathmatches, mas esta seria uma boa oportunidade de introduzir co-op ao título. Um elemento bem bacana da versão de PC era o editor de mapas que também ajudaria a dar uma sobrevida, mas é outro aspecto que ficou de fora.

No fim das contas eu acredito que a Crytek está cobrando um valor relativamente justo pelo título. São poucos os jogos que originalmente apresentam o orçamento de Crysis, recebem uma boa repaginada e são relançados por este preço. Mas é sempre bom ficar atento ao fato de que, depois de terminada a estória, não há muito o que fazer aqui.

Maximum Game?

Crysis Remastered no Switch é muito bem sucedido em atualizar a experiência visual de um título ja muito bonito em 2007 para as expectativas de 2020. No entanto, o foco desse retrabalho ficou apenas na parte técnica e a Crytek ignorou a ótima oportunidade de consertar certos problemas do jogo, em especial quanto a IA, que impede sua jogabilidade de alcançar todo o potencial que suas mecânicas prometem.

60%
Bom

Maximum Verdict

Crysis Remastered é um jogo tecnicamente impressionante, mas com potencial limitado por alguns aspectos de jogabilidade mal desenvolvidos que acabam prejudicando boa parte da diversão.

  • Nota Geral
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