Quando o primeiro Doom foi lançado em 1993 a indústria de videogames nunca havia visto nada parecido: Um jogo de tiro poligonal em primeira pessoa com estética demoníaca, muita carnificina e gameplay rápido que remetia aos twin stick shooters da época, porém tão bem desenvolvido que provavelmente rodaria no computador usado para editar planilhas em casa. Era literalmente uma invasão de demônios no PC, e nos consoles em anos seguintes, das famílias tradicionais da época. Um escândalo que reflete até hoje na criação do ESRB nos EUA.
Mas o tempo mudou e jogos como Half Life trouxeram uma proposta diferente ao gênero que Doom ajudou a desenvolver: Jogos mais lentos, com um certo foco em estória e personagens. A série da id Software, que recebera seu último jogo em 1997 em Doom 64, mesmo ano que Goldeneye, se viu na necessidade de mudar e seguir a indústria. Assim nasceu Doom 3 em 2004, um jogo com maior foco na ambientação, estória e uma proposta de combate totalmente diferente; Mais lento, mais focado. Os anos seguintes nos trouxeram pop-up shooters, como Call of Duty e Gears of War, e até séries relativamente tradicionais, como Halo, aderiram alguns aspectos de seus contemporâneos.
Mas tudo mudou em 2016: Sob nova direção, a id Software procuraria negar a indústria de shooters da época e propor um jogo mais semelhante às suas raizes. Lançado para Windows, PS4 e Xbox One, e no ano seguinte para Switch, Doom honrou seu legado e trouxe um jogo quase que totalmente focado em combate, com encontros e inimigos muito bem planejados para recompensar o jogador que estudasse suas mecânicas para atingir a maior eficácia na carnificina. O loop de jogabilidade era muito gratificante e isso bastava para incentivar o jogador a chegar ao final da aventura, tanto que quase toda a estória, surpreendentemente interessante, ficou relegada a textos opcionais.
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E é com um peso enorme nas costas que Doom Eternal se propõe a entregar um jogo ainda melhor que o original. Cenários mais diversos, estória melhor integrada, inimigos mais complexos, um fluxo de jogo ainda mais natural, maior desafio… Tudo isso são promessas para a sequencia de um jogo tão único, mas será que o objetivo foi alcançado?
Conhecimento Infernal
Eu confesso a vocês que mesmo adorando o jogo anterior, e o jogando múltiplas vezes, não havia me aprofundando em sua estória até começar Doom Eternal e não entender bulhufas do que estava acontecendo. Tive que ler alguns logs e assistir a alguns vídeos no YouTube para conseguir me situar. Pois é, o novo jogo não perdoa e, num caminho totalmente diferente do anterior, te bombardeia com muita exposição da narrativa, incluindo cutscenes que raramente observávamos no primeiro.
Não me entenda mal: Praticamente tudo aqui, incluindo tutoriais, podem ser pulados para cair direto na ação, mas você provavelmente não vai querer fazer isso. Dessa vez somos apresentados a cenários e personagens interessantes de tal forma que fica a vontade de entender melhor o que está acontecendo e quais as suas motivações nesta batalha. Eu não consigo dizer que Doom bate de frente com outras narrativas famosas do mercado, mas o universo desenvolvido aqui é muito bom e instigante.
A forma com que esse universo é apresentado, por outro lado, é muito inconsistente. As cutscenes são ótimas, mas são bastante confusas para quem não leu o Codex. Ja este consiste em textos e mais textos e, sejamos francos, quebrar a ação para ler o que é, na prática, um pequeno livro é péssimo. E olha que nem estou falando das letrinhas pequenas que alguém com televisão menor (ou até mesmo a tela do próprio Switch) vai ter dificuldade, estou falando da grande quantidade de conteúdo. Teria sido legal transformar o Codex em um audiobook que tocasse durante o jogo, ou até mesmo em pequenos videos. Da forma que está, dificilmente vejo o jogador comum se dando o trabalho de ler.
A boa notícia, no entanto, fica para o fato do jogo estar completamente traduzido para Português Brasileiro, desde o texto até a dublagem. Esta última foi o que mais me surpreendeu. Não há aquela entonação estranha, desconexa com ação, tão comum em outros jogos como Mortal Kombat 11. Uma das minhas campanhas inteiram foi jogada em nossa língua e confesso que não tenho motivos para não recomendar todos de fazer o mesmo.
Inferno na Terra
Uma área que o primeiro jogo que definitivamente merecia uma melhora era a direção de arte. Embora os cenários fossem muito bonitos, faltava diversidade. Tínhamos fundições, instalações científicas e militares, a superfície de Marte e, talvez o mais instigante, o próprio Inferno. Tudo era muito fundamentado na localização do jogador e, por conta disso, não tinha muito o que apresentar fora dos cenários infernais.
Doom Eternal se propõe a trazer uma ambientação muito mais diversa e complexa sem quebrar as correntes de uma fundamentação coerente. A Terra está sendo invadida e fundida com os demais domínios, trazendo, assim, estruturas distintas ao nosso planeta. Diversos templos, fábricas e até mesmo as ruas de grandes cidades servem como palco para as inúmeras batalhas do jogo. Tudo isso traz uma variedade muito bem vinda, mas que ao mesmo tempo sua estética é reconhecidamente Doom.
Mas aproveito este papo para mencionar o quão mais bonito estes cenários são quando comparado com o jogo original. Além de cada cenários ser bastante detalhado, muito mais que o jogo original, eles possuem mais vida. Há diversos elementos em movimento: Estruturas das edificações, gigantes aos fundos, prisioneiros, paredes feitas de “carne”… Quase toda sala do jogo possui algum elemento dinâmico.
Algo que eu não poderia deixar de mencionar é a Fortress of Doom, a nave utilizada pelo Doom Slayer como centro de comando. Nela há diversas salas para explorar e ganhar variados itens, mas há também como ver alguns itens e bonus que destravou durante a aventura. É um bonus legal e ajuda a fundamentar o personagem nas diversas fases do jogo.
Um Inferno de Sequencia
Tudo que eu mencionei até agora deixa claro que a id Software encarou Eternal como uma iteração do jogo original em todos os aspectos, mas o momento que melhor expressa isso é, de fato, o combate. Eternal parece partir do princípio que o jogador ja jogou o primeiro e tem alguma experiência. O Slayer já começa a shotgun e nem há sinal da pistola. Além disso, diversos tipos de inimigos que só apareciam em fases avançadas no jogo original agora compõem as batalhas desde o início.
Com isso, é seguro dizer que Eternal possui uma curva de dificuldade bem mais íngrime. É fácil de enxergar as batalhas sendo difíceis para alguns jogadores desde o início, fato que pode ser frustrante para alguns. A boa notícia é que as dificuldades mais baixas resolvem boa parte deste problema, mas se você ja é um jogador veterano muito provavelmente não terá problemas e até apreciará o desafio mais alinhado com sua experiência.
Independente da situação, uma mudança controversa em Eternal foi definir melhor os comportamentos dos inimigos. Onde antes o jogador era relativamente livre para derrotar as diversas hordas da forma que quisesse, agora ele é induzido a seguir algumas sequencias de ações que facilitam bastante a batalha. Além disso, munição é bastante escassa desta vez, necessitando o constante uso da motosserra. Isso meio que define um fluxo de jogo, por bem ou por mal. Ainda é possível jogar de forma criativa, mas os benefício de seguir o caminho estabelecido é bem maior, a ponto do jogador comum não sentir necessidade de fazer algo diferente.
Se o combate em si se tornou um pouco formulado, ao menos o jogo te dá liberdade em outros aspectos. Agora há múltiplos acessórios que podem ser usados tanto como forma de ataque, como para melhorar a mobilidade através do cenário. Ainda há diversas customizações, que vão desde modificações e upgrades para as armas e armadura, até melhorias no próprio personagem e runas. Todas elas necessitam de itens específicos e trazem sua própria complexidade para serem atualizadas e equipadas, garantindo um pouco de pensamento crítico do jogador.
Eu mencionei uma melhora em mobilidade no parágrafo anterior, mas gostaria de enfatizar que este aspecto também afeta a jogabilidade fora das batalhas. Uma grande ênfase foi dada aos aspectos de plataforma do jogo que, aliados a estas melhorias supracitadas, tornam estes segmentos muito satisfatórios, algo raro em jogos em primeira pessoa. O mais legal é que muito disso é opcional, mas suas recompensas são tão legais que dão um ótimo incentivo ao jogador dominar tais aspectos.
Por fim, preciso mencionar que o ritmo da aventura continua impecável. A mistura entre batalha, exploração, plataforma e até mesmo o ocasional quebra cabeça, que algumas vezes até mistura todos os elementos, é impecável. Em nenhum momento eu senti que alguma parte estava mais longa ou mais curta do que deveria e o jogo é excelente em apresentar novos conceitos de tempos em tempos para deixar o jogador interessado no que virá em seguida.
Inferno em conjunto
Mas tudo isso que a gente conversou é relacionado à campanha solitária, Doom Eternal ainda oferece um modo multiplayer surpreendentemente robusto. Mesmo um pouco cético devido ao simplório componente do jogo anterior, resolvi encarar a nova proposta e me deparei com um extenso, monótono e desnecessário tutorial de caráter expositivo que me obrigou a passar por todas as pequenas nuances dee uma partida.
Eu entendo a motivação por trás de tanta explicação: O modo multiplayer de Doom Eternal é assimétrico, colocando o jogador na pele do próprio Slayer ou de um dos demônios adversários. Isso significa que ninguém no campo de batalha possui os mesmos poderes e, portanto, devem trabalhar em conjunto para derrotar a máquina de morte que é o famigerado Doom Guy.
Para os que jogam como os demônios, a mobilidade é bastante afetada, para o bem ou para o mal. Isso cria uma dinâmica interessante, onde é necessário se adaptar a cada jogabilidade diferente para desfrutar ao máximo. Claro que depois de um tempo cada jogador vai decidir exatamente qual é melhor função que exerce, mas o processo para chegar neste ponto pode ser divertido, relativamente frustrante ou os dois. Além disso, estes são responsáveis por projetar novos demônios, controlados pela CPU, no campo de batalha.
Quem joga como o Slayer, por outro lado, tem no multiplayer uma ótima forma de extender suas habilidades do jogo principal. Doom é um jogo em que os encontros são muito divertidos, mas são estáticos. Jogar com outras pessoas te permite colocar em prática certos feitos que fazem mais sentido dado a imprevisibilidade de outro ser humano. É uma ótima forma de extender (ou seria… eternizar?) o que é, de longe, o melhor aspecto da campanha.
Um Inferno de Port
Antes de tudo, preciso deixar claro que, embora eu tenha jogado o primeiro Doom exclusivamente no Switch, quando foi a vez de Doom Eternal a situação foi diferente: Comecei a aventura no PS4 (modelo Slim) quando, na metade da campanha, a Bethesda nos enviou a versão de Switch para análise. Recomecei o jogo no console da Nintendo e nele joguei até o final, alternando entre a TV e a tela do portátil. Somente depois disso foi que voltei à versão de PS4 e terminei meu save inicial.
Mas qual o motivo de estar falando isso? Quero deixar claro que sou uma pessoa que tem a visão de ter jogado ambas versões, alternadamente, mas que o primeiro jogo foi experienciado apenas no Switch. Ou seja: Quando comecei a jogar Doom Eternal no PS4, minha única experiência com o antecessor havia sido com os 30 quadros relativamente instáveis e máximo de 720p do original no Switch. A transição para 1080p (com HDR) a 60 quadros estáveis foi reveladora, então existiu sim um downgrade quando tive que voltar ao console da Nintendo. E isso é algo bom, pois assim eu posso falar com vocês através de diversos pontos de vista diferentes.
Quer uma resposta rápida? A versão de Switch atinge quase todas as expectativas dentro da sua realidade, até as excede em alguns pontos, mas há omissões importantes.
Primeiro de tudo, toda versão de Doom Eternal roda em uma nova engine, a id Tech 7. Engana-se quem acha que isso significa um jogo mais pesado, menos otimizado. A nova engine permite uma transmissão de textura mais eficiente, carregando superfícies mais rapidamente e em maior quantidade. Além disso, há um novo sistema de manipulação de geometria que permite cenários mais animados. Basicamente todo o resto, seja iluminação, efeitos de atmosfera ou partículas, receberam pequenas melhorias. Por fim, o uso de geometria foi bem mais exagerado nessa sequencia, trazendo um conjunto de detalhes que faz cada cenário ganhar vida de forma impressionante. Tudo isso ajuda Doom Eternal a ser um jogo bem mais bonito que o original em todos os aspectos.
A boa notícia é que quase tudo isso também está presente no Switch. A maior parte da geometria está intacta e o downgrade na qualidade de texturas é bem menos severo que o jogo anterior na maior parte do tempo. Iluminação, partículas e efeitos de transparência também dão as caras, mesmo que um pouco ajustados. A grande omissão fica pelo embaçamento (blur) empregado durante movimento e o efeito de profundidade nas glory kills, dois aspectos tão importantes para a estética do jogo. Porém, na maior parte do tempo Doom Eternal no Switch é o Doom Eternal das demais plataformas, ao menos quanto ao seu conjunto gráfico.
O mesmo não pode ser dito da qualidade de imagem. Doom Eternal no Switch usa resolução dinâmica para atingir 720p no melhor cenário, mas na maioria das situações a resolução está (bem) abaixo disso. Para mitigar este problema o jogo faz uso de um AA relativamente agressivo, entregando como resultado uma imagem bastante “borrada”, na falta de um termo melhor. O efeito tem uma severidade menor quando jogado na TV, mas fica bem evidente no modo portátil. Não é muito diferente do primeiro jogo neste aspecto, mas consigo perceber que, quando jogado na TV, Doom Eternal consegue entregar uma imagem mais limpa que o port de 2017. Não é nada que jogadores de Switch não ja estejam acostumados em ports de jogos mais complexos, mas gostaria que uma opção de desabilitar o AA, igual a The Witcher 3, estivesse disponível.
Mesmo com toda essa adaptação, a performance do jogo também precisou ser ajustada. Enquanto que nas demais plataformas Doom Eternal roda a 60 quadros por segundo (podendo ir além no PC), no Switch, assim como seu antecessor, o jogo é atualizado a metade desta frequência. Diferente do jogo anterior, no entanto, esse framerate é muito mais estável e confiável, onde, com exceção das cutscenes, quadros pulados é algo bem raro. A falta de motion blur, no entanto, torna a percepção desta performance um pouco pior que o port de 2017. O jogo passa a impressão de estar engasgando em alguns pontos, mesmo que não esteja, algo que mancha o que seria um excelente resultado.
Mas eu não quero enganar ninguém aqui: Mesmo bastante estável, este jogo não foi projetado para rodar a 30 quadros por segundo. A ação rápida e frenética de Doom Eternal se beneficia de uma taxa de atualização alta como poucos jogos do mercado. Um tempo de resposta mais curto ajuda o jogador a executar ações de forma mais eficiente e isso pode ser primordial em diversos encontros do Doom Slayer com seus inimigos.
Este fato infelizmente torna a versão de Switch mais difícil de jogar que qualquer outra. Um grande empecilho, mas longe de ser impossível. Como expliquei antes, joguei o primeiro título exclusivamente no portátil da Nintendo e, sem conhecer algo melhor, foi uma experiência satisfatória para mim, então acredito que pessoas na mesma situação não ficarão tão incomodadas. Mas caso você tenha jogado Eternal ou o original em outra plataforma, muito provavelmente terá um certo grau de dificuldade com a versão de Switch. É realmente difícil de se acostumar.
De qualquer forma, é importante evitarmos comparações absurdas. O Switch é um excelente console portátil que pode ser conectado à TV de forma extremamente prática e fluida, mas ainda assim é um sistema que consome míseros 11 Watts na dock e 8,9 Watts fora da dock. Não podemos esperar uma versão no mesmo nível de sistemas que consomem mais de 150 Watts. Levando isso em consideração, eu diria que o resultado não poderia ser melhor do que o apresentado. Queria muito que motion blur e depth of field, dois efeitos presentes no port de 2017, estivessem presentes aqui também, mas reconheço que Eternal é um jogo muito mais complexo e algo precisava ser cortado.
Existem alguns comentários e ressalvas que gostaria de fazer. O primeiro deles é que fico feliz da UI ter sido adaptada para o tamanho da tela do Switch, algo que é bem refletido no modo dock. Quem jogou o título em outra plataforma sabe como o texto dos menus poderia ficar demasiadamente pequeno. Algo que pode incomodar algumas pessoas é que as cutscenes foram cortadas no topo e no fundo, forçando uma apresentação em 21:9 que esconde parte do conteúdo, resultando em alguns enquadramentos pouco inspirados. Há suporte a controle de movimento. Eu sou indiferente quanto a isso, mas vi que funcionam dentro das expectativas.
Por fim, quero lembrar que, diferente das demais versões, não é possível ajustar o campo de visão no Switch e, talvez a maior de todas as omissões, não há suporte a audio 5.1. Esta última é especialmente ruim pois a experiência surround em um jogo como este é muito bacana e é triste vê-la ser cortada no Switch. Seria previsível culpar a Nintendo por apenas dar suporte a LPCM no Switch, enquanto que Doom Eternal foi masterizado em Dolby Digital e DTS, mas acho que, dado o valor do jogo, faria sentido desenvolver em LPCM também.
Um Inferno Eterno
Doom Eternal é uma sequência que toca em todos os pontos do seu antecessor, seja para o bem ou para o mal. Novas mecânicas atualizam a jogatina e complementam uma necessária melhoria na direção de arte, level design e multiplayer. Estes aspectos contrastam com algumas características polêmicas, como o maior foco na narrativa e o fluxo de batalha mais engessado.
De qualquer forma, a versão de Switch apresenta um ótimo desempenho para os limites da plataforma; Mesmo que, para alguns, isso não seja o suficiente para desfrutar o jogo a contento.
⭐ O jogo foi gentilmente fornecido pela Bethesda para a elaboração desta análise.
Tradicional, ousado e eterno
Doom Eternal é o tipo de sequência que ousou mexer em pontos bem característicos de seu antecessor. Esta decisão traz consigo pontos positivos e negativos, mas o jogo abraça ambos de forma indiscriminada e apresenta um produto, de forma geral, bem resolvido.
- Nota Geral
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