De tempos em tempos, surge um jogo que sabe que só vai agradar a um nicho específico de pessoas. Lorelei and the Laser Eyes é esse tipo, sendo um jogo pura e simplesmente de puzzles, um mais difícil que o outro. Mas será que é o suficiente para prender?
Sobre Lorelei and the Laser Eyes
Lorelei and the Laser Eyes foi anunciado pela primeira vez num Nintendo Direct em 2022, mas o projeto durou cinco anos. Encabeçado pelo estúdio sueco Simogo, criador do premiadíssimo Sayonara Wild Hearts, o jogo começou a tomar forma em 2017, mas mudou bastante no processo.
Depois de finalmente ser definido e ter seu lançamento anunciado num Nintendo Indie World, o jogo foi lançado há dois meses, estando disponível por enquanto apenas para Nintendo Switch e PC. Após o lançamento, a Simogo publicou um vídeo de quase 9 minutos no canal deles do YouTube, um minidocumentário sobre como foi a produção e o pós. Você pode conferir aqui (embora recomendo só ver depois de terminar o jogo).
Recomendação de Compra
Mario & Luigi: Brothership
Lançamento: 7/Nov/2024
História
A história de Lorelei and The Laser Eyes é bastante confusa e caótica, parecendo uma colagem de conceitos, o que combina perfeitamente com a atmosfera noir que o jogo busca trazer.
Você assume o papel de uma artista que é convidada por um excêntrico diretor de cinema e ator italiano para um hotel. O interessante, porém, é que ela recebe a carta para ir ao hotel um ano antes da data, mas a carta fora escrita 60 anos antes. Já começam aí os mistérios.
Ao chegar no hotel, você o encontra fechado, com um doguinho lindo (que você pode fazer carinho depois) te encarando. Você começa a juntar suas pistas a partir daí, embarca numa jornada que promete ser única.
É difícil descrever a história sem dar spoilers, mas o jogo envolve intriga, mistério, suspense, um leve toque de terror, e as personagens que você verá com mais frequência serão seu anfitrião italiano, que sempre te chama de signorina, uma garota com máscara de coruja, uma idosa de cama com olhos brilhantes e um fantasma que perambula para lá e para cá em momentos-chave.
Alguns dos mistérios desbloqueiam memórias do passado nas quais seu irmão te manda mensagens para o futuro, e você consegue conhecer ainda mais da sua protagonista.
Há algumas cutscenes, mas elas são pouco animadas, sem dublagem, com sussurros sobrepostos por textos em branco em fundos pretos, e servem apenas para ajudar a definir o mood específico para aquela parte do jogo.
A história é algo que deve ser experienciada, já que, além de não ser linear, cada vez será única, porque há pontos em que suas decisões fazem, de fato, a diferença.
Algumas dessas decisões te impedem de voltar até ir até o fim com o resultado delas, então, pense bem no que vai fazer e nas suas respostas, só assim, você saberá, por exemplo, quem é a mulher morta na frente do labirinto.
Jogabilidade
Lorelei and the Laser Eyes é um dos jogos que, embora beba de várias fontes, pode ser considerado único. Eu comecei a jogar videogames em 1989, com Enduro no Atari da minha mãe, e eu nunca joguei nada que se assemelhe à experiência de jogar esse jogo.
Ele foi chamado por algumas pessoas de “Dark Souls de puzzles”, e é um título que até pode fazer sentido no que se refere ao nível de frustração em alguns momentos, mas acho que falha em encapsular o que Lorelei and the Laser Eyes é.
Desde o momento em que você olha para o cachorro do lado de dentro do portão, e precisa dar um jeito de entrar no hotel, você já estará jogando. Não há tutorial. Não há introdução. Do momento em que você seleciona New Game, e se vê no carro, você já está jogando.
E como está jogando. Cada um dos puzzles desse jogo se une aos outros de forma contínua, simples e fluida. Tudo, simplesmente tudo o que existe ao seu redor é uma pista para alguma outra coisa. Do começo ao fim, sua personagem estará cercada de pistas inúmeras, quase infinitas: notas, informações contidas em livros, revistas, cartazes, fitas, sinopses, e muito mais.
Por exemplo, o cartaz de um filme de 1959 se junta ao cartaz de um de 1950, e com eles, você descobre que precisa pôr o código 5059 num cadeado para abrir uma porta. Dentro dessa porta, há um cofre e um envelope. No envelope, a pista para o número que abrirá o cofre.
Ou você encontra num livro a informação sobre frases em latim, em outro, quais frases serão necessárias para traduzir, e aí, usa essa informação toda umas cinco horas depois para posicionar um relógio do jeito certo e liberar uma chave.
De qualquer forma, uma das coisas que acho mais legais desse jogo é que há caminhos distintos para você seguir, mas não há dicas do que fazer. Você realmente precisa explorar cada canto, cada prateleira, pra conseguir identificar o próximo passo. Muitas vezes, você não entende o que está bem à frente simplesmente porque não tem todas as informações; em outras, você leva um tempo até que as informações cliquem e você encontre a solução.
Muitos dos puzzles são extremamente frustrantes, mas nenhum deles é injusto. Dos enigmas matemáticos, aos desafios de lógica, passando por quebra-cabeças tradicionais e labirintos, nenhum dos puzzles é injusto, mas alguns farão você questionar sua inteligência. Aí, do nada, uma informação extra aparece, ou você resolve outro puzzle que te ajuda a liberar algum bloqueio, e a solução vem.
Mais do que isso, alguns puzzles subvertem completamente a lógica pré-estabelecida, e te forçam a pensar muito fora da caixa, então, por isso também podem levar mais tempo (e paciência).
Você vai precisar de papel e caneta/lápis para jogar esse jogo, porque muitos dos puzzles precisam de referências cruzadas, e por mais que a memória fotográfica mantenha registro de absolutamente tudo o que você já viu e leu no jogo, e os objetivos sejam marcados, por menores que sejam, para você não se perder, de fato, há coisas que você não vai conseguir fazer sem anotar fisicamente e misturar dados.
Outro fator interessante é que para cada vez que se joga, a experiência é levemente diferente. Não só pelas decisões, estas que podem mudar radicalmente algumas questões, mas também as informações necessárias para resolver um puzzle. Isso significa que mesmo que você encontre na internet a solução de algum enigma (e eu precisei de ajuda em alguns), você ainda precisará adaptar os dados para a versão que tem no seu jogo: às vezes, os cartazes dos filmes são diferentes, o que significa que os números serão diferentes, ou, como outro exemplo, as pistas dos mapas que aparecem como notas de arquitetos, mudam não só o nome de cada pessoa, como também os números de cada problema. Então, mesmo quando você tem a resposta, você ainda não tem a resposta toda, e isso é brilhante.
A jogabilidade em si não poderia ser mais simples. Você pode jogar com uma mão, movimentar com qualquer direcional, e qualquer botão que apertar servirá de interação; daria para jogar Lorelei and the Laser Eyes com o controle do supracitado Atari. Não há salvamentos automáticos, então, como tudo pode levar a um ponto sem saída, é normal que se salve o jogo todas as vezes que se vê um computador para isso, e algumas vezes, saves múltiplos.
Há jogos dentro do jogo, como jogos de Game Boy e de PC, e cada jogo tem uma jogabilidade própria, diferente da do jogo principal, e um gráfico diferente, um adicional bem bacana.
No todo, Lorelei and the Laser Eyes consegue ser extremamente simples e extremamente complexo ao mesmo tempo. Você não conseguirá resolver quase nenhum dos puzzles com força bruta (vão por mim, eu tentei), mas sempre haverá um puzzle disponível e possível de se fazer para te manter no jogo. E quem sabe? Ele pode ter justamente a peça que faltava pro quebra-cabeça que te deu dor de cabeça na noite anterior. Aproveite sua jornada, ela vai durar cerca de vinte horas.
Parte Técnica
Lorelei and The Laser Eyes aqui também difere de tudo. O jogo não tem um gráfico coeso, mas é uma colagem de fotos, poucos polígonos, pouca cor, algumas coisas cartunescas e outras quase realistas, e essa salada toda faz com que ele tenha seu estilo próprio. O jogo é todo em preto e branco, à exceção de alguns elementos específicos, como os olhos da protagonista, janelas e pontos específicos de interesse no mapa, e uma “tinta vermelha” que pode ser sangue. Nesses casos, as cores variam dentro dos tons de rosa e vermelho, dando ao jogo um aspecto, novamente, único.
A maior parte das personagens com quem se interage não tem cara, ou cabeça ou tem cabeça distorcida, ou tem alguma imagem brilhante no lugar da cabeça, ou tem olhos brilhantes.
A parte de som é brilhante, com uma trilha sonora bem leve normalmente, trazendo a sensação de som ambiente de um hotel de terror, mas com a opção de você ligar músicas por todos os ambientes, caso prefira ter som para resolver os mistérios. E a música se integra perfeitamente ao clima do jogo e aos sons ambientes, te ajudando a imergir ainda mais. E caso comece a te atrapalhar ou incomodar, basta desligar o aparelho de som do cômodo, e o silêncio prevalece. E caso você queira ouvir as músicas fora do jogo, elas estão disponíveis no Spotify e em outras plataformas musicais.
Não há falas dubladas, mas os sussurros aqui se encaixam mais do que vozes se encaixariam. Elas talvez quebrariam um pouco do clima desejado.
O jogo está disponível em uma grande variedade de idiomas, mas infelizmente, o português não é um deles ainda. E se você não entender algum dos idiomas disponíveis, é literalmente impossível jogar, já que você não entenderá o conteúdo das cartas, livros e outras pistas escritas.
Conclusão
Lorelei and the Laser Eyes é o raro exemplo de jogo que não é igual a nada que veio antes. Realmente inovador, é uma celebração da arte de fazer puzzles e uma afirmação de que jogos são, sim, uma forma de arte. Apesar de frustrante em alguns momentos, é extremamente recompensador, e garante uma experiência única.
Análise feita com cópia gentilmente cedida pela Simogo
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