Lançado junto com o Switch, Breath of the Wild elevou as expectativas para um jogo da série Zelda. Mundo totalmente aberto desde o início, liberdade para forjar sua própria aventura, quantidade absurda de conteúdo e diversas inovações em inteligência artificial, física e interação com o mundo. Para o próximo jogo da série no console, no entanto, a Nintendo preferiu seguir um caminho totalmente diferente, seja para o bem ou para o mal.
The Legend of Zelda: Link’s Awakening é um dos meus jogos favoritos da série e um dos melhores títulos, se não o melhor, do Game Boy. Lançado em 1993, dois anos depois de A Link to the Past, é incrível o quanto esse jogo parece não se importar em ser um título para um console portátil bem mais fraco que o sistema de mesa da época. Além de oferecer diversas inovações do seu irmão mais velho, essa pequena aventura também traz novidades próprias que o faz se destacar e até influenciar lançamentos futuros.
Recomendação de Compra
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Lançamento: 17/Out/2024
Não há uma estória complexa aqui. Link, ao voltar de suas aventuras em Holodrum e Labrynna, sofre um acidente em alto mar e vai parar em Koholint, uma ilha tropical onde é salvo por Marim. Ao ouvir falar que a única forma de sair da ilha é acordando o Wind Fish, Link parte numa jornada para encontrar os oito instrumentos necessários para tal. Não vou dar detalhes da narrativa para não estragar nada, mas esta é uma das estórias mais tristes da série, muito antes de Ocarina of Time nos mostrar que as vezes não há final feliz para os heróis de Hyrule.
Mas é nas interações com esse mundo que o jogo brilha. A ilha de Koholint não é tão grande, é verdade, mas é densa em segredos e personagens cativantes. São esses personagens que, pela primeira vez na série, conseguem conectar o jogador ao mundo de forma íntima. Cada um tem sua personalidade e, com poucas linhas de diálogo, conseguem cativar o jogador. O resultado final é um sentimento de pertencimento, de não querer deixar aquele lugar. Acredito que os únicos jogos que despertaram isso em mim foram Majora’s Mask, da mesma série, e Persona 4 Golden, da Atlus.
E há algumas coisas interessantes para se fazer nessa ilha. Esta é a primeira vez que vemos uma sequencia de troca e uma missão de coleção global na série Zelda, com diversas conchas espalhadas pelo mundo, além do retorno dos famosos pedaços de coração. Agora também é possível colecionar salas de calabouço para futuramente montar o seu. Não é uma função que vai te fazer perder horas como um Mario Maker da vida, mas é um passatempo até interessante. É também a única novidade dessa versão.
E por falar em calabouços, prepare-se para um conjunto excelente deles. Mais uma vez, eles são curtos e vão direto ao ponto, mas os quebra cabeças são incríveis. Há dicas opcionais através das estátuas de coruja, mas eu acredito que não há nada tão complicado que um pouco de pensamento crítico não resolva. Enquanto que os primeiros calabouços são mais simples, a complexidade aumenta bastante a partir de certo ponto, com múltiplos andares e até mesmo os primeiros exemplos de mecanismos globais para solução de quebra cabeças. Há um nível ótimo de desafio aqui que torna cada visita satisfatória.
Os chefes, por outro lado, não são tão desafiadores. Digo, eles já não eram nada complicados no Game Boy, sendo derrotados com poucos golpes, mas no Switch a situação não melhorou muito. Um deles, por exemplo, funciona como um pequeno quebra cabeça, com a execução de certas ações em ordem sendo necessário para derrota-lo. No Switch, no entanto, tal chefes simplesmente diz a forma de derrota-lo, tirando toda a graça da batalha que já é muito fácil. Eu acredito que não há necessidade disso. Era o único elemento realmente ultrapassado da obra original e aqui apenas aconteceu um retrocesso.
E isso parece ser uma regra máxima desse remake. O jogo original, ao meu ver, já era muito generoso com dicas. Além de certos encontros obrigatórios com a coruja, que davam uma idéia dos próximos passos, também haviam as dicas opcionais de Ulrira através dos diversos telefones espalhados pelo mapa. Agora, além disso, uma voz do além te diz explicitamente para onde é necessário se dirigir ao derrotar cada chefe. Isso causa a situação boba de receber esta dica, sair do calabouço e instantaneamente se encontrar com a coruja para que ela meio que repita a mesma coisa ou complemente de alguma forma. É um mecanismo muito intrusivo.
O problema não se resume apenas a estas ocasiões, há também diversos novos diálogos introduzidos nesse remake que procuram deixar ainda mais explícito as próximas ações. Por exemplo, quando se consegue o primeiro item da sequencia de troca, a boneca de Yoshi, um menino imediatamente te informa que sua mãe estava interessada em tal artigo. O problema é que não há necessidade de se fazer isso porque conhecer os habitantes de Koholint é grande parte da diversão do jogo, então o jogador provavelmente já sabe que tal mulher procura por essa boneca. Se ele não sabe, a casa dela é literalmente duas telas de distancia, numa vila onde há tão poucas residências que não visita-la é praticamente impossível.
Esse tipo de atitude, na minha opinião, é ofensivo e resulta numa péssima experiência. Eu sinto que o jogo está me chamando de burro. Caso fosse a primeira vez que jogasse Link’s Awakening, eu me sentiria frustrado de meu direito de exploração ser revogado dessa forma. A última vez que senti algo semelhante foi em Skyward Sword e desde então vimos um movimento da Nintendo em prol de evitar tais sentimentos, que acarretou em Breath of the Wild ser um jogo que respeita tanto o intelecto do jogador e seu ritmo de jogo. Não há necessidade de voltar para esse pensamento, especialmente quando estamos falando do remake de um jogo que foi terminado tranquilamente por diversas crianças ao redor mundo.
Tudo isso é uma pena, porque estamos falando um remake excelente quanto às mudanças estéticas e melhorias de jogabilidade. A Nintendo aproveitou a oportunidade e tornou algumas coisas mais fluidas. Devido à quantidade maior de botões, agora é possível usar o escudo e espada, correr e levantar coisas pesadas, por exemplo, sem ocupar espaço nos dois itens equipados. Há também novos locais para teletransporte e o mapa principal não mais é participando em telas separadas. Além disso, há uma função de autosave.
Mas é na parte estética que Link’s Awakening brilha. Esse jogo é lindo, tanto para os olhos quanto para os ouvidos. Toda a trilha sonora, que é facilmente uma das melhores da série, se faz presente em novos arranjos incríveis. Até pequenos toques, como sutis mudanças no tema global dos múltiplos calabouços, são muito bem pensados e executados. Destaque, na minha opinião, para o tema do mapa principal e da Color Dungeon. Além das músicas, efeitos sonoros antes impossíveis no Game Boy dão vida à aventura, como os sons que Link reproduz, que pela primeira vez possui uma entonação totalmente diferente dos jogos que vieram antes, mas que encaixou perfeitamente na proposta visual.
Por falar em visual, queria levantar um ponto que notei: O objetivo do jogo é exibir o mapa principal tal como uma miniatura, simulando artefatos de plástico/argila. No mundo real, é possível atingir esse efeito fotografando o ambiente utilizando lentes de mudança de inclinação, mais conhecidas como “tilt-shift”. O efeito em Link’s Awakening, no entanto, não é perfeito. Enquanto que a sensação de profundidade da parte superior da tela é muito bem executada, tendo vários níveis de desfoque a depender da distancia, o mesmo não acontece com a parte inferior da tela. Aqui é exibida apenas uma linha fixa com um desfoque único, o que causa uma certa estranheza, tal como se houvesse um “borrão” na tela. De qualquer forma, a escolha do resultado final é muito acertada dentro da estética do jogo, dando uma personalidade única à ilha, mas a execução deixou a desejar.
Porém, não há dúvidas que o restante é da mais alta qualidade. Nunca imaginei que veria Koholint tão linda, mas aqui estamos e é, desculpe o trocadilho, um sonho. Tudo no jogo foi modelado, animado e renderizado na mais alta qualidade. Cada área do jogo consegue transmitir um sentimento único que era impossível em 1993. A floresta tem um ar misterioso, com efeitos de névoa e pouca luz. O deserto é escaldante, com predominância de iluminação de cores quentes, areia voando e sombras bem definidas. Da mesma forma a praia transpira uma natureza totalmente tropical, com uma iluminação levemente diferente, mas repleta de sombras vindo dos coqueiros. Eu estou enfatizando tanto isso porque esse nível de simulação é um dos aspectos mais complicados de se fazer direito na computação gráfica, mas Link’s Awakening acerta em cheio.
Tudo isso, infelizmente, teve um preço, e nesse caso foi a performance. Enquanto que o jogo se propõe a rodar a 60 quadros por segundo, tal como todos os jogos portáteis da franquia (com exceção dos de DS), dificilmente esse objetivo se prolonga por muito tempo. Em praticamente todo momento que se entra numa nova área há perda na taxa de quadros, que pode se prolongar por algum segundos. E não estamos falando em apenas alguns quadros a menos, mas em um corte abrupto para metade do objetivo inicial. Quando acontece é bem evidente e infelizmente a freqüência é mais alta do que se imagina. Outras ações, como simplesmente arremessar um pote, pode acionar mesmo o problema, mas nesse caso a freqüência é menor, mas adiciona ao sentimento de falta de polimento.
Além disso, há uma flutuação constante na resolução do jogo. Isso é menos perceptível quando jogado na própria tela do Switch, mas na TV acontece bastante. Essa é inclusive a primeira vez que vejo uma solução de resolução adaptável tão agressiva num jogo desenvolvido pela Nintendo, onde pequenas ações, como explodir bombas e arremessar vasos, fazem a qualidade da imagem degradar rapidamente. A mais próxima analogia que consigo fazer nesse caso, que também funciona um pouco para o problema de performance, é assistir um vídeo do Youtube numa conexão extremamente instável e vê-lo fluir entre 480(p30) e 720p60.
O que me deixa incrédulo nisso tudo é que este é o primeiro jogo de Switch publicado pela Nintendo que eu vejo ser lançado nesse estado tão… inacabado, na falta de um melhor termo. Eu sinceramente não vejo motivos para tal. Afinal, estamos falando de um console que roda Doom, Wolfenstein 2 e Astral Chain a 30 quadros por segundo e Mario Odyssey, Bayonetta 2 e Mortal Kombat 11 a 60 quadro por segundo. Por que um jogo tão simples como este não tem uma performance e resolução estáveis? Inclusive Yoshi’s Crafted World, também desenvolvido na Unreal Engine 4, consegue atingir esse objetivo enquanto exibe um mundo tão bonito quanto Link’s Awakening. Este definitivamente não é o padrão de qualidade que eu espero da Nintendo.
Meu último ponto de crítica é sobre um assunto um tanto polêmico: O preço desse jogo é um tanto abusivo. Valor é algo difícil de se mensurar mas, no fundo, Link’s Awakening é um jogo de Game Boy de 1993. Na época ele era uma aventura extensa para a expectativa do console, mas não para os padrões da série estabelecidos por A Link to the Past. O mapa era pequeno e os calabouços eram curtos, qualidades estas que se estendiam para o restante da aventura. Eu não vejo um jogador regular demorando mais de uma semana para ver tudo o que o jogo tem a oferecer, e obviamente menos para simplesmente terminar a aventura principal. Por conta de sua natureza mais simples, estabeleceu-se que ele custaria metade do valor da aventura do Super Nintendo.
Hoje temos uma situação semelhante, onde é possível comprar, no mesmo console, Breath of the Wild, um jogo da mesma série, bem mais complexo, com bem mais conteúdo, mas custando o mesmo preço. Não sei vocês, mas há um desequilíbrio imenso aqui. Outras empresas estão buscando precificar seus jogos de forma que faça sentido quanto ao seu escopo, como exemplo da Activision cobrando U$ 40 por Crash Bandicoot N. Sane Trilogy, mas a Nintendo está pedindo preço cheio nesse remake de um jogo de Game Boy. Por mais bela que seja a nova estética, ainda estamos falando de um projeto de baixíssimo orçamento, onde toda a jogabilidade, level design, composições, etc, já estavam prontos. Para efeito de comparação, Mega Man 11 é um jogo totalmente novo, também de escopo pequeno, mas ainda maior que um jogo de Game Boy, e foi lançado por U$ 30.
Considerações Finais
A tarefa de dar nota a uma obra, e reduzir todo o seu texto a um número, é muito ingrata. Link’s Awakening é um excelente jogo, um design extremamente bem fechado que se mantém elegante mesmo 26 anos depois. Diria até que sua simplicidade pode ser vista como uma válvula de escape nos dias de hoje, onde tudo precisa ser demasiadamente complexo. Mas não posso negar que como produto está bem aquém do esperado. Não consigo fechar os olhos para o fato de há pouquíssimo conteúdo para o valor cobrado e o nível de polimento está longe do que se espera. Também não consigo ignorar que estou de frente a um retrocesso no recente trabalho de tornar a série menos preocupada em segurar a mão de seus jogadores.
Portanto, recomendar este remake é uma tarefa árdua. Fãs da série obviamente estarão são os mais empolgados para encarar esta aventura novamente. Seria o pessoal mais fácil de indicar, porém o preço é muito salgado para uma simples revisitada a Koholint, especialmente quando a Nintendo ainda vende a versão DX na eShop do 3DS por U$ 6. Não acho que as melhorias estéticas valem os U$ 54. Já jogadores menos assíduos procurando algo novo depois de Breath of the Wild se decepcionarão bastante com o escopo e proposta de valor de Link’s Awakening.
Sonho e Pesadelo
Por fim, Link’s Awakening no Switch é uma montanha russa, transitando entre sonho e pesadelo. Um design atemporal que recebeu uma atualização estética fantástica e refinamentos muito bem vindos na jogabilidade, mas impede que o jogador progrida por conta própria, possui problemas graves de performance e um valor abusivo. É com grande pesar que, mesmo sendo fã incondicional da série, não posso recomenda-lo à maioria dos jogadores.
- Regular
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