Desde criança eu era fascinado por videogames. A interatividade da mídia e os caminhos que isso abria fizeram dos jogos eletrônicos meu passatempo favorito. Minha conexão com os games era tão forte que eu decidi construir minha vida acadêmica em cima das áreas de estudo que os regem. Hoje trabalho como Engenheiro de Interação, a mesma ocupação de meus ídolos do passado; Uma profissão da qual me orgulho e que devo à sensibilidade que os jogos me trouxeram o profissional que sou.
Um jogo nada mais é que o resultado de um projeto; A culminação de muito estudo, diversas decisões, protótipos, testes e prazos a ser cumpridos. Há projetos que resultam em bons produtos e há outros que não, mas alguns poucos vão além. Eles são resultado de uma dedicação incomparável, de mentes brilhantes e mãos habilidosas elevando as expectativas de uma indústria. São projetos que continuam relevantes mesmo com o passar dos anos, tal como a Coca-Cola, o Fiat 500, o Bang & Olufsen Form 2, o Casio F91W ou o Chanel Nº 5, só para citar alguns.
Com isso em mente, resolvi escrever esta coluna analisando célebres jogos que exibem projetos muito bem acabados. Projetos Notáveis é uma série de artigos onde eu discuto as características que os diferenciam do restante da indústria, as decisões que o tornam algo tão especial. É um momento para celebrar jogos incríveis; Mais importante que isso, no entanto, é reconhecermos o trabalho por trás desses títulos tão excepcionais.
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Mario & Luigi: Brothership
Lançamento: 7/Nov/2024
Sob a sombra de gigantes
A primeira metade dos anos 80 viu a Nintendo adentrar o mercado de videogames domésticos com o Famicom, aparelho que simplesmente dominou o Japão durante aquela década. Projetado com uma mentalidade menor que suas futuras ambições, a Nintendo apenas queria um aparelho no qual pudesse vender seus famosos jogos de Arcade para um público que preferia o conforto de seu lar. Eram, em sua maioria, jogos de uma a quatro telas onde o objetivo era superar um high score e só.
Tudo mudou quando, em 1985, uma equipe interna da empresa começou a trabalhar em dois projetos distintos. O primeiro, planejado para ser lançado naquele mesmo ano, levaria os jogos de plataforma a um novo nível ao narrar a aventura linear de um bigodudo contra uma tartaruga gigante para salvar sua princesa. O segundo, planejado para ser lançado no ano seguinte juntamente com o novo aparelho da empresa, o Famicom Disk System, narraria uma história bem diferente, onde o personagem principal, trajando uma túnica verde, estaria livre para escolher o caminho para salvar a sua princesa de um porco gigante.
Ambos estes jogos foram planejados numa época em que tais ambições não eram tão comuns, onde o NES sequer havia sido lançado no Ocidente e onde as definições de “aventura” ainda não eram muito bem definidas nos jogos. Isso não impediu, num entanto, que um segundo time trabalhasse paralelamente em um terceiro jogo que traria uma interpretação um pouco diferente da palavra. A aventura de uma mulher trajando uma armadura espacial através de um labirinto para matar um cérebro gigante e resgatar… ninguém, apenas um cheque bem gordo ao fim da sua jornada.
Diferente dos seus irmãos mais velhos, que eram bem mais focados em apenas uma proposta de jogabilidade, Metroid se propusera a misturar a ação de Super Mario Bros. com a liberdade de Zelda, resultando num híbrido bastante especial. Também em sentido contrário às duas séries supracitadas, a aventura de Samus Aran não possuía o mesmo nível de polimento. A jornada era confusa, os controles eram imprecisos, o ritmo era errático e o conteúdo era, de forma geral, pouco desenvolvido. Comparado com o restante da indústria, Metroid era um bom jogo, mas ao colocado frente aos trabalhos do Nintendo EAD, o produto final era mediano.
Tudo isso, no entanto, virou de pé a cabeça em 1994 com o lançamento de Super Metroid. O terceiro jogo da série apresenta uma evolução considerável na sensibilidade quanto à experiencia do jogador, e é justamente essa atenção que faz os demais elementos da fórmula finalmente brilhar. Naquela geração, Samus não mais estaria em um nível inferior, mas talvez até mesmo superaria seus irmãos.
Atenção aos detalhes
Muito se fala sobre Super Metroid, em especial como ele definiu todo um conceito de progressão que mais tarde seria copiado por inúmeros jogos até hoje. Mas é o conjunto de boas decisões durante seu desenvolvimento, aliado com uma excepcional execução de suas idéias, que me impressiona até hoje.
Um level design impecável, com pontos de referência muito bem localizados com o propósito de familiarizar o jogador entre as inúmeras idas e vindas. Ação na medida certa, com batalhas memoráveis contra seus chefes. Um incrível conjunto de itens que nunca são subutilizados. Controles precisos, mas com um certo grau de liberdade com o intuito de permitir as mais diversas formas de sair do caminho determinado.
É justamente esse “caminho determinado” que Super Metroid executa tão bem, mas que poucos conseguem enxergar. Sim, um jogo tão conhecido pela seu sentimento de liberdade na verdade é… linear. Poucos percebem, mas durante grande parte desta aventura Samus está sendo guiada por diversos mecanismos muito bem posicionados, sem que o jogador perceba, enquanto uma narrativa está sendo contada por trás sem exibir texto algum, apenas através dos estímulos audiovisuais.
Isso é o que chamamos de um bom fluxo, algo que diversos jogos semelhantes, como o notável Symphony of the Night, da Konami, falham em executar tão bem. Super Metroid te dá a sensação de liberdade plena, mas esta, na verdade, só é alcançada num momento posterior do jogo. Porém, é a sensação que conta, e é justamente através dessa execução excepcional que o design do jogo consegue brilhar. É no sentimento de conquista do planeta, que a princípio parece intimidador e difícil, mas depois de certo tempo é totalmente dominado, que os designers empoderam o jogador da mesma forma que a própria Samus.
Ambientação exemplar
É importante observarmos os jogos dessa época com uma ótica diferenciada e entender que demonstrar sentimentos em seus personagens e envolver o jogador em seu mundos não era algo tão simples quanto parece. Eu ouso dizer que foi apenas no próprio ano de 1994, com o lançamento de Donkey Kong Country, Final Fantasy VI e Super Metroid, que o SNES conseguiu finalmente entregar uma experiência cinematográfica ao envolver o jogador numa atmosfera única.
Teremos outras oportunidades para falar sobre os dois títulos supracitados, mas hoje devemos parar e olhar para Super Metroid de forma minuciosa. Ao iniciar o jogo, somos recebidos por uma tela de título que deixa bem claro o tom do jogo: Um música simples e assustadora, um laboratório destruído, vários corpos no chão e um metroid, o ser mais aterrorizante da galáxia, no centro. O conjunto dessa cena é tão bem executado que até hoje eu tenho o mesmo sentimento ruim ao vê-la.
O mesmo acontece ao pousar em Zebes numa noite chuvosa, sem sinais de vida no planeta, com todas as suas instalações desligadas, salvo algumas cameras que vigiam as ações de Samus, e nenhuma música no fundo. Assustador, para dizer o mínimo. Em contraste com esse início, temos a cena, perto da metade do jogo, na qual Samus finalmente volta à região de pouso da sua nave, totalmente equipada e confiante. A música agora é agitada e o mundo não mais exibe a mesma periculosidade do passado. Agora o jogador sente que conquistou aquele lugar, e finalmente está preparado para os grandes desafios.
Super Metroid faz tudo isso através de um trabalho estético bastante meticuloso, utilizando as capacidades gráficas do SNES de forma inteligente, mas principalmente pensando em como cada elemento vai interagir com os demais no cenário. Não é um trabalho tão técnico quanto é artístico, onde a atenção os detalhes se faz presente: Samus respira, seus membros se movem de forma fluida, a fauna reage à sua presença, a iluminação é pintada de forma realista nas paredes, a chuva é pesada e tem um ritmo errático e os cenários são desenhados com todas as imperfeições de forma orgânica. Zebes é um planeta vivo, realisticamente apresentado e imersivo como poucos.
A trilha sonora não fica atrás, apresentando melodias que acompanham a ação de forma síncrona. Mais importante que isso, porém, é a hora de trazer o silencio, de deixar o jogador absolver o que está sendo exibido na tela. Mesmo sendo viciante, a música não tem o objetivo de grudar na cabeça, mas sim de se fundir com o restante da estética, e tenho que confessar que ela faz isso muito bem.
Na medida certa
Super Metroid também se sobressai na sua simplicidade. Os controles são simples e precisos, mas o que chama a atenção é o level design muito bem pensando com o intuito de tornar o jogador o mais autonomo possivel. Em nenhum momento o jogo precisa nos dizer onde é o próximo objetivo, sua trajetória até o ponto atual com certeza te mostrou onde é necessário usar sua nova habilidade. Nenhum desses novos itens também precisa de explicação por que a área que ele foi adquirido requer que o jogador o use para progredir.
Também não há nenhum item irrelevante ou redundante, todos são muito bem postos a uso, incluindo sendo usados para achar a grande gama de conteúdo extra. Conteúdo esse, vale lembrar, totalmente opcional, mas muito cobiçado pela sua grande valia na aventura. Super Metroid funde os elementos de ação, exploração e quebra-cabeça de uma forma tão uníssona que chega a ser inacreditável.
See you next mission
É incrível ver como uma série cheia de boas idéias, mas tão sem foco, conseguiu chegar num patamar tão alto de qualidade. Super Metroid é um dos jogos mais bem projetados que ja vi e definitivamente merece ser jogado pela maior quantidade possível de pessoas. A boa notícia é que o jogo está disponível nos três consoles mais atuais da Nintendo: No Switch, através da assinatura do online, e no Wii U/New 3DS através do Virtual Console.
No próximo Projetos Notáveis vamos analisar o que faz de Pokémon Red & Green tão especiais. Enquanto isso não acontece, compartilhe nos comentários sua experiência com Super Metroid conosco!
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