Este é o primeiro texto de uma série que escrevi em Março de 2017 para meu blog pessoal. O intuito destes textos é analisar o mais novo jogo da série e entender o que ele faz de tão diferente. Existe muito sobre o que quero discutir acerca desta que é uma obra prima da Nintendo, mas hoje vou me resumir apenas à nova dinâmica de tutoriais empregada, ou a falta dela.
Entre as grandes contribuições de Ocarina of Time, uma das menos lembradas talvez seja o sistema de companhia, caracterizado por Navi no jogo. Acredito que o motivo para isso seja a impopularidade da personagem, em especial devido à grande quantidade de interrupções para repetir informação que já havia sido dada ou era óbvia ou deveria ser descoberta de forma intuitiva. Desde então, a Nintendo sempre buscou diferentes abordagens para conduzir o jogador, mas sempre mantendo o sistema de companhia como base.
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Companhias subsequentes, como Tatl e Midna, aliviaram um pouco a situação por exibir uma personalidade interessante e desenvolvimento claro durante a narrativa. Em sua maioria, uma ajuda mais profunda desses personagens, como dicas para derrotar inimigos ou resolver quebra-cabeças, requeria que o jogador a pedisse. Tornar esse auxílio algo opcional era muito importante para não interromper (ainda mais) o fluxo do jogo. A grande excessão é Fi, que possuía uma personalidade impossível de se relacionar, além de interromper o jogador para dar a resposta sobre absolutamente tudo, ao ponto de que me pergunto se eu tive algum mérito em terminar Skyward Sword.
Além do sistema de companhia, todo Zelda 3D (menos BotW) também possui uma sessão de tutoriais que se prolonga mais do que deveria. É sempre necessário resolver uma série de atividades mundanas para então chegar (ou sair) da primeira Dungeon do jogo, quando então você finalmente possui uma certa liberdade para colocar o que aprendeu em prática. Eu acredito que este segmento inicial ajuda a estabelecer uma imersão com o mundo do jogo, mas fica claro que demora muito para se chegar à parte na qual realmente pretendemos jogar, o motivo para ter comprado o jogo em primeiro lugar.
Majora’s Mask é o primeiro exemplo disso. O jogo te obriga a passar um ciclo de três dias dentro de Clock Town, preso na forma de Deku Scrub, onde, aos poucos, te ensina a realizar as tarefas básicas como mirar em 1ª pessoa e usar as Deku Flower, além de familiarizar o jogador com a cidade principal. Caso não haja Game Over, estamos falando de no mínimo 54 minutos, sem contar com a abertura que antecede a chegada de Link em Termina. Depois disso o jogador fica livre para explorar, mas ainda tomará um bom tempo até chegar à primeira dungeon do jogo.
O famoso Ocarina of Time toma menos tempo, apenas 20 minutos para chegar ao primeiro calabouço, sendo que este serve como uma extensão do tutorial do jogo e dura aproximadamente 40 minutos. A situação fica ainda mais gritante em Twilight Princess e Skyward Sword, ambos necessitam de quase 3 horas para deixar o jogador “livre” na aventura.
Tudo isso é feito para diminuir a frustração do jogador chegar em algum ponto no qual não consegue prosseguir. A preocupação da Nintendo com isso é aceitável dentro do contexto histórico de Ocarina of Time, já que era o primeira jogo em 3D da série e, portanto, possui um nível de complexidade maior, mas ao invés de vermos esse efeito diminuir com o tempo, só o vimos aumentar. É como se os designers de Zelda sempre subestimassem o seu público alvo.
Tudo isso mudou com Breath of the Wild. Semelhante ao início de A Link to the Past, a mais nova aventura de Link começa com o personagem adormecido dentro de um local, neste caso uma caverna, acordando ao som da voz da Princesa Zelda. Em menos de 5 minutos o jogador já tem saído de lá e está livre para explorar. Simples assim. Nada de tutoriais ou restrições claras.
A grande sacada deste início é justamente essa primeira região que exploramos. Um local que confina o jogador a um objetivo claro, desafiar os quatro primeiros Shrines, mas dá liberdade para explorar e realiza-lo da forma que preferir. Os inimigos do Great Plateau, como é chamado, são fortes, como o restante do jogo, mas dentro das limitações do jogador. A área é bem completa também, com direito à apresentação dos elementos básicos que veremos durante o restante da aventura. Há um local de temperatura extrema, diversos tipos de Shrines, acampamentos de inimigos, um mini-chefe, armas variadas para achar e até mesmo um guardian.
Depois de deixar o Great Plateau, o jogador se torna livre para explorar o restante do mapa da forma que quiser. Devido a essa área introdutória, o jogo agora tem certeza que você é capaz de enfrentar tudo que o mundo tem a oferecer. Em nenhum momento o jogador é tratado como uma pessoa incapaz de prosseguir ao ponto de ser necessário mostrar o caminho. Também não existe qualquer forma de “Super Guide” aqui.
O que mais gostei é que em nenhum momento somos interrompidos para algo ser explicado. As vezes aparecem dicas no canto superior da tela, mas estas são opcionais e funcionam como uma animação automática, nunca interrompendo o fluxo da jogatina. Elas nunca se relacionam com os enigmas, mas oferecem informações triviais de mecânicas básicas de jogo, como “Se sua barra de energia acabar, você ficará cansado por algum tempo”, além de só acontecer na primeira hora da aventura. Todo o resto fica a cargo do jogador encontrar.
E isso é o que define o maior elemento de identidade do jogo, a experimentação. Breath of the Wild é um sandbox no melhor sentido da palavra. Não porque é o jogo no estilo com o maior número de opções (embora não duvide que seja), mas porque elas nunca são explicadas. É muito provável que alguém jogando às cegas (algo que eu recomendo bastante) termine a aventura sem saber que algo é possível de ser feito, mas descubra depois ao acaso.
Sendo sincero, quase tudo é descoberto assim, ao acaso, e é desta forma que BotW define um sistema de evolução de personagem totalmente único para a série. Antes apenas sentíamos que Link se tornava mais forte pois adquiríamos novos itens ao longo da aventura. Desta fez, a forma mais eficaz de se tornar mais forte é descobrindo novas formas de encarar um dado desafio. Na verdade, todos os “itens” do jogo ficam disponíveis logo na primeira hora, resta ao jogador pensar nas melhores formas de usá-los.
Há excessões a esta regra. A aventura principal consiste de quatro calabouços opcionais e um obrigatório, ao final. A dinâmica destes primeiros é muito semelhante aos Zelda’s do passado, ao ponto de parecer algo totalmente desconectado do restante do jogo. Quando dentro destas dungeons, o jogador é conduzido ao seu objetivo de uma forma clara e óbvia. Há enigmas interessantes aqui que não são arruinados, mas a batalha contra o chefe no final sempre possui um companheiro dando dicas além do que deveria. É como se a equipe que desenvolveu estes segmentos fosse totalmente desconectada dos demais, e esse sentimento de “não fazer parte” me causou uma estranheza e quebrou a imersão do restante da exploração destes locais.
Concluindo, achei a mudança de paradigma quanto aos tutoriais de BotW uma atitude muito corajosa da parte da Nintendo. Não é todo dia que uma série tão tradicional como Zelda resolve tentar algo novo em um jogo da linha principal, e em alguns pontos, como os discutidos aqui, a mais nova aventura de Link faz uma curva na direção oposta da qual estava seguindo e o resultado é maravilhoso. Estou ansioso para ver essa nova filosofia de pensamento ser aplicada nas demais franquias da empresa.
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