Depois de muito especulação sobre uma possível vinda de uma coletânea dos clássicos da série Grand Theft Auto, finalmente temos em mão o novíssimo GTA The Trilogy: The Definitive Edition – nome bizarro, por sinal -, o que obviamente cria muita expectativa para fãs dos três games inclusos no pacote: GTA III, GTA Vice City e o aclamado GTA San Andreas. Tendo tido contato com todos os títulos lançados até então sob a licença da propriedade intelectual da Rockstar, fiquei empolgado com a volta desses três grandes jogos aos consoles modernos, mas vale a pena dizer que possuo todos eles (os originais) no formato digital, o que me ajudou para fins de comparação. Porém, o quanto de qualidade essa trilogia consegue esbanjar em pleno 2021?
GTA III e o protagonista silencioso
Confesso que não tive contato com o terceiro título da franquia logo quando ele foi lançado. Eu provavelmente ainda estava com um PlayStation 1 em casa desbravando GTA 2 sem entender nada da história – até porque sequer entendia inglês. GTA III foi um game que vi bem de longe, e fui ter a chance de jogar mesmo apenas recentemente na versão de PC. Mesmo assim, sei o quão revolucionário ele foi pra época, através de seus gráficos, pela primeira vez na série, tridimensionais com a opção da clássica câmera vista de cima (que foi removida na versão remastered, por sinal, em vez de ser aprimorada).
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O foco daqui é Claude (Speed?) e sua vida turbulenta em Liberty City. O protagonista completamente mudo é apunhalado pelas costas – durante um roubo – por sua namorada, a qual, assim como ele, leva uma vida criminosa. Deixado para trás, Claude é levado preso, porém, isso não dura muito tempo. Durante o trajeto até a penitenciária, o camburão da polícia é atacado por outros criminosos, e Claude aproveita a chance para fugir junto a um comparsa, trocar suas roupas de prisioneiro e começar uma nova vida de crimes em Liberty City com a ajuda de grupos mafiosos.
Apesar de parecer interessante, GTA III não tem um enredo tão profundo ou interessante. Basicamente, o que você precisa saber é que Claude vai pulando de galho em galho, fazendo serviços para uns e para outros, até que reviravoltas acontecem e as coisas mudam radicalmente após um certo momento, o que torna as coisas um pouco mais curiosas, envolvendo até mesmo outros grupos mafiosos.
Em termos de gameplay, o terceiro game não possui atividades tão diversas de forma secundária, mas foca muito mais nas missões primárias, roubo de carros, transporte de NPCs e utilização do arsenal de armas para eliminar personagens. Até existem algumas poucas coisas paralelas como corridas de carros, esta sendo bem prejudicada pela distância de renderização ruim e resultando em colisões constantes (mesmo depois da última atualização de 22 de novembro), além das tarefas opcionais com o intuito de ganhar um dinheiro extra como o paramédico, taxista, vigilante e bombeiro – todas ativadas em seus respectivos veículos.
Sinceramente, GTA III é o que mais precisava de um novo sopro de vida, e isso felizmente aconteceu. Agora tudo é mais bonito se comparado à sua versão original, mesmo com alguns detalhes minuciosos tendo sido totalmente perdidos como a sujeira de Liberty City (jornais e folhas pelo chão) e vidros frontais de carros que não explodem ao levar tiros.
De qualquer forma, é belo ver o trabalho de luz e sombra utilizado para renovar os visuais de maneira geral, além de efeitos melhorados de fogo, chuva e afins. Como esperado, o protagonista recebeu o devido cuidado ao ter suas texturas e modelagem 3D aprimoradas, ficando bem mais apresentável aos dias de hoje.
GTA Vice City e as praias de Miami
GTA Vice City é ambientado em, obviamente, Vice City, uma representação fictícia de Miami (Estados Unidos) nos anos 80. Por isso, elementos bastante presentes são as luzes noturnas com intensos neon, algo característico do local. Aqui, somos Thomas (Tommy) Vercetti, um ex-membro da família Forelli (máfia italiana), que é enviado à Vice City para realizar um tráfico de drogas com os Vance Brother. Porém, uma cilada é armada e as drogas e o dinheiro sumiram. Com isso, Tommy precisa ir atrás dos culpados, enquanto trabalha para diversos criminosos da cidade a fim de obter pistas.
O segundo Grand Theft Auto 3D da série é uma evolução um tanto quanto rasa em relação ao seu antecessor, trazendo alguns veículos inéditos como motos e missões um pouco diferenciadas como a de plantar bombas com o helicóptero de controle remoto. Em geral, a jogabilidade é a mesma coisa, assim como o design das missões que apresentam escopos bem parecidos, tentando fazer uso de tudo o que existe de mecânica ali para criar algo único. Por outro lado, agora podemos controlar meios de transporte aéreo, como os helicópteros militares, e motos. O protagonista também consegue trocar de roupa de acordo com as peças que adquire ao longo de alguns trabalhos.
Além das atividades secundárias já conhecidas de GTA III, existem algumas outras adicionais a serem feitas como assaltos, entrega de pizza e alguns roubos. Se você espera uma segunda revolução, assim como fez seu antecessor, pode esperar sentado: GTA Vice City diverte, mas não traz grandes mudanças. Sem falar que ainda não podemos nadar, executar acrobacias, subir em locais mais altos e coisas do gênero – coisas vistas mais tarde na série -, o que mantém tudo em um ritmo ainda um tanto quanto cadenciado.
GTA San Andreas e o acrobático CJ
GTA San Andreas, sendo o mais trabalhado da geração PS2, é o título que envelheceu melhor dentre os três. San Andreas é variado de diversas formas, principalmente em termos de missões secundárias. Aqui, além de todas as atividades paralelas dos títulos anteriores, também podemos pegar caminhões para assaltar casas durante à noite, ir ao bar e jogar sinuca, namorar garotas e até mesmo malhar. Essa última, por exemplo, pode aumentar atributos do protagonista como fôlego para correr e quantidade de dano aguentado.
Adicionalmente, CJ possui habilidades diferentes dos protagonistas anteriores, e é capaz de andar agachado, se agarrar e subir em bordas e, finalmente, nadar. Parece algo bobo, mas todos esses elementos trazem uma dinâmica totalmente diferente para a jogabilidade. Fora isso, o clássico recrutamento de GTA San Andreas está presente, e com uma instrução visual melhor do que o título original sobre quais comandos apertar para dispensar ou recrutar alguém para sua equipe.
Além do game design, o enredo é definitivamente a estrela de GTA San Andreas, juntamente ao seu protagonista. Carl Johnson, mais conhecido pelos seus parceiros como CJ, acaba de perder a mãe em um tiroteio de gangues e decide sair de Liberty City para voltar à San Andreas, sua cidade natal, e ficar em sua antiga vizinhança com seus amigos e familiares. Porém, nada acontece tão tranquilamente assim, e CJ acaba sendo interceptado por policiais que, aparentemente, estavam esperando seu retorno.
A trama de GTA San Andreas é bem mais pessoal do que os games anteriores, e traz conflitos bem mais interessantes envolvendo a família de CJ, além de gangues por toda San Andreas e policiais corruptos. Fora isso, também há reviravoltas intrigantes que, para evitar spoilers, não contarei aqui por respeito aos que não conhecem a conclusão do enredo.
Como se não bastasse a quantidade de coisas já absurdamente impactantes para a época, GTA San Andreas também trouxe um mapa bem maior do que seus antecessores, o qual é expandido conforme avançamos na história. Veículos diversos também estão presentes, apoiados por suas respectivas missões, como bicicletas, botes motorizados, motos de trilha, helicópteros e até mesmo um jato. Por fim, podemos agora comprar diversas roupas para CJ, além de “moldá-lo” conforme nossa vontade, o tornando um maromba de academia ou um rapaz bem acima do peso depois de tanto comer fast-food, o que transforma sua aparência física e interfere em sua performance no combate.
Em termos de remasterização, diria que a maior mudança de GTA San Andreas foi visual, visto que esse é um jogo lançado originalmente em 2004. Ressaltando, é o título que mais envelheceu bem, mostrando que ainda tem muita lenha para queimar e merece a atenção daqueles que nunca tiveram contato com essa obra-prima.
Uma versão inferior de remasters questionáveis
De longe, a versão de Switch é a que mais deixa a desejar. O port para o console da Nintendo é como se fosse um downgrade dos consoles modernos. Parte disso acontece por conta do hardware limitado do híbrido – não é tão fácil assim renderizar um mundo aberto -, enquanto a outra parcela da culpa se dá pelo controle de qualidade da empresa que deixou passar batido um bocado de problemas em aspectos técnicos e de direção de arte.
Os modelos dos protagonistas dos três jogos são a melhor coisa que você vai ver por aqui, mesmo sendo um pouco questão de gosto pessoal sua aprovação da escolha visual para todos eles. Diria que tudo ficou mais puxado agora para um lado cartunizado, em que Claude, Tommy e CJ parecem ter saído de algum jogo como Fortnite. Pessoalmente, não me incomodei com esse aspecto no remaster, mas sim com o que vem a partir disso: personagens secundários.
Exceto os protagonistas, todos os modelos 3D de NPCs parecem ter tido seu rosto derretido e o corpo deformado, já que muitos mudaram drasticamente de aparência em comparação aos jogos originais. Facilmente podemos encontrar os famosos mods visuais na internet de anos atrás que dão de 10 a zero nas feições desse remaster. Provavelmente apenas os protagonistas receberam tratamento sob medida, enquanto o resto passou por processos de inteligência artificial – vide uma porca em cima de uma loja que se transformou em uma rosca, depois de ser “alisada”.
Em segundo lugar, mas não menos importante, temos a resolução, framerate e draw distance. Tanto no modo portátil quanto na dock, a imagem costuma ser relativamente borrada em relação ao cenário e personagens, o que me deixa desconfortável considerando que são jogos com mais de uma década, o que mostra que a Groove Street Games (responsável pelo desenvolvimento do remaster) não soube trabalhar tão bem com a Unreal Engine 4 ou simplesmente achou mais rápido diminuir a resolução para manter o fps.
Já o framerate não é nem um pouco estável, e apresenta variação absurda com quedas que chegam em até 22 fps em diversos momentos bem básicos como dirigir pela cidade (algo extremamente comum na franquia), criando bastante engasgo e uma experiência terrível. Por fim, o draw distance (que dita o quão longe objetos conseguem ser renderizados/mostrados na tela) é um tanto quanto decepcionante. Não muito longe da sua visão, elementos começam a sumir na sua frente, e o mesmo acontece com as sombras que se formam ao andarmos pela cidade. Não posso deixar de citar também as texturas de prédios e ruas que brotam do nada.
Em menor escala, temos os bugs, como objetos que saem voando, personagens que são arremessados, problemas na textura de personagens que ficam com cores bizarras em seu corpo, além de bizarrices nos modelos 3D em relação aos seus membros e corpos de maneira geral que sofrem deformações inesperadas.
Um remaster bem abaixo do esperado de uma trilogia memorável
Sem dúvidas, quando falamos de GTA é esperado sempre um nível de qualidade acima da média, algo que definitivamente não vemos nesta remasterização. A Rockstar deixou bastante a desejar (alguém teve que aprovar o trabalho da Groove Street Games) no trabalho de curadoria de um de seus produtos mais importantes da história da franquia, visto que essa trilogia foi bastante marcante na era PS2. Claramente tudo foi feito às pressas e sem muito carinho ou trabalho de revisão, possivelmente para alavancar as vendas no final de ano após o lançamento do pacote. Infelizmente, a versão de Switch é a mais inferior dentre todas (joguei também a do Xbox Series S instalada e a de Xbox Series X via cloud gaming), e digo isso com muito pesar, já que é a primeira vez que temos um Grand Theft Auto pisando no território híbrido da Nintendo. E não só isso: todos estão também completamente localizados para nosso idioma.
Algo que pode entristecer alguns é a remoção de certas faixas músicas no rádio de todos os três jogos. Infelizmente, nem todos os artistas querem ser vinculados novamente a um produto como GTA, e outros provavelmente tiveram sua propriedade intelectual comandada pelos seus familiares, como é o caso de Michael Jackson – já falecido – que possuía Beat It em Vice City. Por isso, a inexistência de certas canções nem sempre a culpa é por parte da distribuidora do game.
Os três games, em si, ainda possuem bastante qualidade e rendem uma boa dose de diversão, exigindo apenas um pouco de tolerância em relação ao design de suas missões que apresentam bastante simplicidade se encaradas com a visão dos dias de hoje, mas ainda assim não perdem totalmente o charme. GTA III e Vice City são bem parecidos em termos de jogabilidade e podem decepcionar um pouco por terem envelhecido meio mal e serem meio enjoativos, enquanto GTA San Andreas continua sendo uma obra-prima por conta de história, gameplay e mecânicas secundárias. Certas melhorias são extremamente necessárias e bem-vindas, como a opção de retornar à uma missão em seu último checkpoint após falhar nela (antes era preciso renascer no hospital) e conquistas internas vinculadas à sua conta do Social Club. Por fim, é triste ter três jogos históricos e de peso sendo trazidos pela primeira vez ao Switch com uma qualidade tão vergonhosa.
Atualização: mesmo com o patch lançado no dia 22 de novembro, ainda não considero a experiência dos três jogos satisfatória. Todos ficam ainda bem abaixo do esperado, principalmente dirigindo pela cidade com engasgos constantes. A experiência “menos ruim” tem sido a de GTA III, e mesmo assim continua tenebrosa. Porém, percebi uma melhoria na resolução de forma geral.
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