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Universo Nintendo

Zelda e a narrativa através da lenda

O mais novo game da série Zelda, Breath of the Wild, apresenta, basicamente, a mesma estória que já estamos acostumados: Ganon, o ódio reencarnado, volta para se vingar dos descendentes da Princesa Zelda e Link. As diferenças aqui ficam na forma com a qual narrativa se desenrola, embora pequenas mudanças sejam feitas na dinâmica entre personagens já trabalhados à exaustão.

A questão óbvia aqui é a falta de linearidade, mas Zelda vai além e torna opcional grandes partes da estória em favor de uma jogabilidade onde as escolhas do jogador são levadas a sério no contexto do jogo. Isso traz consequências para as considerações finais que temos após o rolar dos créditos. Alguns vão terminar a aventura sem saber que Zelda não confiava em Link, ou em si mesma, ou que o herói na verdade estava em uma relacionamento amoroso com Mipha. De certa forma, o único personagem realmente obrigatório de conhecer talvez seja o Rei e, superficialmente, a própria Princesa.

Há duas missões no jogo inteiro que contam a estória principal e apenas uma delas possui algum impacto na aventura principal. A maioria dos jogadores vão querer libertar as Divine Beasts porque isso trará o benefício de uma luta mais favorável contra Ganon, além de receber uma habilidade especial ao conquistar cada uma. O fato de conhecermos a estória dos quatro campeões, além da sua relação com Link, é bacana, mas não podemos negar que fica em segundo plano tendo em vista que tão pouco é discutido sobre eles. A segunda missão, que requer encontrar uma série de locais no mapa do jogo para liberar memórias passadas do herói com a Princesa, é algo que requer um trabalho muito grande para uma recompensa totalmente desconhecida.

De forma geral, BotW teve a coragem de não quebrar a essência do jogo em prol da sua estória e, por isso, devemos ser muito gratos. A filosofia de liberdade da jogabilidade é levada tão a sério ao ponto de desperdiçar conteúdo (que deve ter dado trabalho para ser produzido) com o objetivo de não estragar a diversão e imersão do jogador. A estória estará alí sempre que você quiser, mas somente se você quiser. É uma idéia semelhante à empregada em Metroid Prime, só que desta vez a linha entre conteúdo principal e opcional é bem tênue. Existe até mesmo, pela primeira vez (que me recordo) na série, um final alternativo mgpharmacie.com!

Falando sobre a estória em si, a narrativa, quando acontece, não é muito diferente do restante da série. Temos uma série de eventos pré calabouço e uma comemoração/recompensa após. Repita quatro vezes. Ocarina of Time fez isso a quase duas décadas atrás e BotW não mudou. O que mudou é que desta vez não controlamos um personagem sem passado. Com excessão de Majora’s Mask e Phantom Hourglass, todos os protagonistas anteriores possuíam um passado irrelevante até então, e mesmo estes dois não exploram estes eventos anteriores durante sua aventura. Breath of the Wild se passa 100 anos depois de uma estória que poderia muito bem ser um jogo totalmente novo por si só, protagonizando um Link experiente que já possui relação com os demais habitantes de Hyrule.

Claro que controlar um guerreiro invencível logo de início fugiria um pouco da idéia de sobrevivência da aventura, então Link acorda sem seu equipamento, cavalo e poderes. Vale lembrar também que desta vez o protagonista não começa o jogo como um ninguém que se torna um herói, mas sim como um campeão, o maior guerreiro de sua raça. Aos poucos descobrimos que os demais campeões, e até mesmo Zelda, não confiavam muito em suas habilidades. A conquista de respeito aqui é muito mais real que em qualquer outra aventura passada.

A Princesa também é desconstruída em relação ao restante da série. Enquanto a Zelda de Skyward Sword fazia um paralelo com Maria da Bíblia, sendo corajosa ao ponto de aceitar seu destino sem hesitar, em Breath fo the Wild ela até tenta despertar seus poderes, mas fracassa e passa a dedicar seu tempo aos estudos de uma tecnologia antiga. Ela é uma engenheira, decidida de suas ações. Temos aqui uma personagem que se aproxima bastante das mulheres independentes das estórias de Hayao Miyazaki ou da era pós Mulan da Disney.

Link e Zelda já se conhecem e, por conta disso, a vontade de resgatá-la parece ser maior.

A relação entre Link e Zelda é construída devagar durante a aventura. Na verdade, “construída” é apenas modo de dizer, tendo em vista que a narrativa (opcional, diga-se) apenas relembra as aventuras dos dois no passado. Tudo que havia de acontecer, já aconteceu. E é este o ponto mágico da estória de Breath of the Wild: Sua narrativa é construída através de lendas, sendo extremamente subjetiva quanto aos diversos pontos que não foram exibidos.

Para entender este conceito, devemos primeiro estabelecer as diferenças entre narrativas ocidentais e orientais, em especial as americanas e as japonesas. Somos muito condicionados à mídia vinda dos EUA, onde as estórias são contadas em mínimos detalhes. Toda subjetividade é considerada um “plot hole”, uma falha que deve ser evitada ao máximo. Se um personagem sente amor por outro, ele diz isso com todas as palavras. Os japoneses não trabalham desta forma, mas sim prezando pela construção da narrativa lado-a-lado com espectador/leitor. Desta forma, os personagens nem sempre expressam seus sentimentos de forma clara e, muito comumente, eventos são simplesmente omitidos da superfície da obra.

A série Zelda é um produto do mercado Japonês e, portanto, trabalha sua narrativa seguindo os padrões de seu povo. A estória dos jogos sempre alude a eventos que não são exibidos e exploram personagens ambíguos, deixando para o jogador refletir e explorar estes detalhes. Esta dinâmica é tão importante que se tornou característica da série, onde fãs criam teorias e especulam sobre os eventos dos jogos. Nem todos gostam desta abordagem de estória, e para estes o desenvolvimento da mais nova aventura de Link parece demasiadamente simples, até mesmo cru.

Breath of the Wild transpira uma narrativa que, assim como a exploração e o aprendizado, é totalmente dependente da percepção além da mídia. Quando chegamos em um local como Ranch Ruins ou Hyrule Castle, podemos presenciar os horrores que se passaram ali, sem necessidade de qualquer cena de corte. A localização da estátua de Hylia nos fundos da Gerudo Town fala sobre o povo que ali habita, suas (des)crenças e suas dores. A relação de carinho e cuidado entre Zelda e Urbosa é explicada através de linguagem corporal. Todos estes momentos falam mais que qualquer linha de texto dentro da ambientação do jogo.

Como grande parte da estória se passa no passado, a narrativa segue uma estrutura intimamente ligada ao passar de uma lenda. Link, assim como os demais campeões, são lendas dentro do contexto do jogo. As aventuras que eles tomaram parte no passado são lembradas, adoradas e até mesmo distorcidas. Além disso, o jogador ainda põe uma camada de interpretação por cima deste entendimento da própria mídia. Sim, o roteiro é simples, sem grandes reviravoltas ou assuntos complexos, mas não é para ser. A imersão do jogo não vem através de uma narrativa direta, mas sim de como o mundo consegue ser orgânico, com um passado que é levado em consideração mas que não precisa ser vivenciado.

Além das estórias de 100 anos atrás, o jogo também fala sobre os acontecimentos de 10 mil anos no passado. Não há muito conhecimento sobre esta lenda, apenas que os habitantes de Hyrule criaram as quatro Divine Beasts para enfraquecer Ganon, além de centenas de Guardians para proteger o Herói e a Princesa enquanto lutavam contra o monstro. Assim como a Guerra Civil de Ocarina of Time, a Guerra do Aprisionamento de A Link to the Past ou o dilúvio de Wind Waker, estes relatos servem para definir uma pré-estória que ficará apenas no plano das idéias do jogador.

A mais nova aventura épica da Nintendo se distancia da narrativa inchada de Skyward Sword, uma anomalia na série, trazendo uma estória simples e elegante. O conteúdo em entrelinhas e a falta de linearidade significa que todos sairão com uma percepção diferente ao rolar dos créditos. Isso é algo bom? Não é possível dizer. Dentro da proposta do jogo, a execução é impecável, mas não significa que na prática sua simplicidade será apreciada por todos.

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