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Análise – Dragon Quest XI S: Echoes of an Elusive Age – Definitive Edition

O conceito de clássico é fascinante. Imaginar um artefato tão bem projetado e executado que o tempo, e as constantes mudanças na sociedade, não o afeta. Algo que não sai de moda, que continua sendo relevante e causando o mesmo efeito numa nova geração que causava na passada. Um produto atemporal. Uma calça jeans azul com camiseta branca. Uma pizza napolitana de sabor marguerita. Uma lente fotográfica de 50mm e F1.8. Um par de óculo escuros Wayfarer com lentes G-15. Uma garrafa de Coca-Cola. Um Game Boy com um cartucho de Tetris.

Dragon Quest, lançado para Famicom em 1986 e considerado o pai do JRPG como o conhecemos, não é um clássico. Entrega-lo a uma criança de 10 anos nos dias de hoje e esperar que ela não se frustre é uma ilusão alimentada pelas boas memórias de nossa infância, mas ainda é uma ilusão. Eu sei que começar esse texto assim pode parecer anticlimático, mas a série Dragon Quest, com a ajuda de outros jogos na década de 90, viria a desenvolver uma fórmula que, esta sim, tem potencial para resultar em clássicos, mas que raramente fora executada de forma plena.

Hoje estamos diante da evolução máxima dessa forma fórmula, um jogo que leva a tradição de sua série e seu gênero tão a sério que, sem a necessidade de apelar para uma estética de outrora, consegue entregar uma aventura que definitivamente não envelhecerá uma gota sequer nos anos que o segue. Não precisamos testa-lo daqui a trinta anos, porque tudo que há aqui já vem sendo testado a este mesmo tempo. Estamos, portanto, diante de um verdadeiro clássico moderno.

Tradição em primeiro lugar

Se analisados isoladamente, cada aspecto de Dragon Quest XI parece chato, simples e batido. Estamos falando de uma estória que gira em torno de um rapaz escolhido sem muita explicação ou critério para salvar o mundo de um mau maior, um sistema de batalha por turnos bem básico, temática medieval européia e progressão de jogo linear. Mas é a forma com que cada um desses aspectos são executados que faz o produto final brilhar.

Tome a estória como exemplo. A premissa é absurdamente básica e, sendo sincero, a narrativa principal também. Quem olha de longe tem certeza que vai se deparar com diversos clichês, e de certa forma não estão errados, mesmo que hajam algumas surpresas legais ao longo do caminho. Mas essa narrativa é intercalada por eventos locais muito bem integrados e incrivelmente bem desenvolvidos. Sempre há um conjunto obrigatório de atividades antes de se chegar nos objetivos principais onde a interação entre os personagens, o mundo e seus moradores é realizada através de pequenas estórias que causam uma série de sentimentos no jogador, com temas que vão desde o cômico até uma pesada melancolia.

A exploração também é bastante old school, mas isso não é algo ruim. Este é o tipo de jogo que te incentiva a conversar com todo mundo, entrar em todas as casas alheias, quebrar os vasos dos moradores, abrir seus armários e investigar cada centímetro das novas áreas que são apresentadas. Mas tudo isso é muito divertido! E antes que pergunte, não há um mapa mundi com escala diferenciada, a não ser que você esteja usando o barco. Toda a exploração a pé é feita na mesma proporção que as cidades e demais localidades. O mundo é grande, muito grande, mas durante boa parte da aventura o jogo não te incentiva a usar a habilidade de teletransporte porque o fluxo entre áreas é bem fluido.

E que áreas incríveis! Durante minha aventura eu fiquei constantemente empolgado para ver o que aconteceria a seguir, qual nova região o jogo ia me apresentar e qual nova cidade eu iria descobrir. Cada local é cuidadosamente projetado para ser único e impressionar pela sua beleza. Toda cidade do jogo possui uma cultura diferente da outra, uma arquitetura única, moradores com sotaque diferente. É impossível colocar o pé em um lugar e achar que já esteve lá antes. O jogo se propõe a ser grande, a te colocar num mapa tal qual um planeta inteiro e tenho que admitir que ele é extremamente bem sucedido nisso. 

Onde a tradição mais se faz presente talvez seja no sistema de batalha. Não importa o palco, seja no campo ou nos diversos calabouços, o combate de Dragon Quest XI não tenta fazer nada de novo ou extraordinário, mas o que ele se propõe a fazer, faz muito bem. Por cima, estamos falando de um sistema de ataque, magia, habilidade e especiais (chamadas aqui de Pep). Não há absolutamente nenhuma inovação aqui, mas é na execução que que esse sistema brilha, onde as ações que podem ser tomadas são muito bem balanceadas e os inimigos são pensados para explorar possíveis brechas no seu time.

Cada personagem possui uma evolução natural de seus atributos que invariavelmente o limita quanto às funções que ele pode tomar na batalha, mas um sistema de progressão não linear dentro desse espectro pré programado existe. Eu particularmente acho que é uma decisão acertada, onde o jogador não se sente sobrecarregado com possibilidades, mas ainda possui um bom campo de escolhas. Ainda é possível equipar armas, vestuário e acessórios que são encontrados e comprados durante a exploração, ou produzidos a partir de um sistema de oficina muito bem implementado.

E é importante mencionar que a quantidade de monstros é absurda, onde o jogo constantemente te introduz a novas espécies num ritmo frenético, semelhante a Pokémon ou Shin Megami Tensei. Esses inimigos são cheio de personalidades, muito bem modelados e animados. Um trabalho impecável. Além disso, estão sempre visíveis no mapa do jogo, então é possível evitar batalhas quando você não estiver a fim. Também não há uma tela específicas para os combates, portanto tudo acontecerá exatamente no local onde encontrou o inimigo. Por fim, também é possível aumentar a velocidade dos encontros e diminuir consideravelmente o tempo gasto para treinar seus personagens, muito embora que para a aventura principal não seja necessário nenhum tipo de grinding. 

Na minha opinião, o resultado final de tudo que envolve batalha é tão simples, elegante e fácil de se aprender que eu não enxergo pontos negativos. O fluxo entre batalhas é bastante viciante e simplesmente não cansa, sendo que combates contra chefes servem como uma ótima forma de balançar um pouco este fluxo. Para os que querem um pouco mais desafio, existem diversos modificadores conhecidos como “Draconian Quest” que com certeza aumentarão bastante a dificuldade.

O belo, mas não tão belo

A estética de Dragon Quest XI é totalmente presa à sua tradição, mas esse é justamente seu charme. A arte de Akira Toriyama e a música de Koichi Sugiyama são constantes desde 1986. Mas ao invés desses aspectos parecerem pouco originais, afinal estamos falando do décimo primeiro jogo da série principal, eles possuem uma sinergia tão alta entre si e com o restante do projeto que é difícil de imaginar este jogo de outra forma.

Muito embora estejamos lidando com o mesmo artista que desenha o mangá de Dragon Ball, e muito embora nosso protagonista tenha uma relativa semelhança com o Trunks na fase de Cell, é sempre incrível enxergar a visão de Toriyama aplicada a um mundo medieval europeu. Isso é algo que sempre me fascina. Os traços básicos são os mesmos de trabalhos como Dr. Slump e Dragon Ball, mas a indumentária, a arquitetura e o contexto do mundo é totalmente diferente. Mesmo tendo uma pesada influencia do estilo do artista, o mundo de Dragon Quest XI parece único, cheio de personalidade.

Mas tudo isso seria em vão se esta visão não fosse bem executada no jogo. Todos os personagens são muito bem modelados, cheio de detalhes e surpreendentemente expressivos, mesmo em cenas menos importantes. Os ambientes externos são grandes e o jogo quase sempre faz questão de mostrar a amplidão de seu mundo. Algo impressionante é o uso simultâneo de variadas texturas, técnica que torna o mundo, e em especial as cidades, mais orgânico e detalhado. Esse é o tipo de jogo que eu precisava parar a cada momento para realizar uma captura de tela, e com o Photo Mode incluso é possível até capturar imagens com qualidade superior à que o jogo produz em tempo real.

Por falar nisso, tenho que admitir que o trabalho técnico deste port no Switch é realmente muito bom, mas não perfeito. Mesmo os que os menus e HUD estejam rodando na resolução nativas de ambos os modos, o mesmo não pode ser falado do jogo em si. Eu não vejo um grande problema nisso, especialmente porque na TV o jogo é muito bem definido. Não tenho experiencia em fazer contagem de pixels, mas para mim parece que estamos lidando com uma imagem estável pela maior parte da jogatina. Na tela do próprio Switch a resolução é claramente menor, e é verdade que alguns detalhes são perdidos por conta disso, mas não é nada para se desesperar.

Mas nem tudo são flores e há momentos que as limitações técnicas impedem o jogo de exibir toda sua beleza. Os maiores problemas vêm da quantidade limitada de memória que o Switch dispõe. Por exemplo, sabe aquelas grande variedade de texturas que mencionei? Algumas estão numa qualidade absurdamente baixa. Isso é menos evidente durante o jogo, mas fica algo bem feio em certas cenas. A implementação (ou a falta dela) de AA deixa bastante a desejar, onde aliado à já baixa resolução resulta em uma imagem muito instável.

Outro problema decorrido de limitação de memória é a dificuldade em renderizar elementos distantes. E eu não estou falando aqui de uma distancia pequena, mas minúscula, onde novos pedaços de grama, sombra e texturas são desenhadas a pouquíssimos metros do jogador. Além disso, é possível ver algumas partes do cenários quebrada se usar a função de correr em cidades e outras localidades muito fechadas. As sombras também sofrem, mesmo de perto, com uma certa instabilidade.

Eu particularmente não acho que nenhum desses problemas diminui a qualidade do produto final, mas são bem evidentes. Acredito que no máximo elas servem para manter a taxa de quadros estável durante grande parte da aventura, onde eu só percebo quedas ao explorar certas cidades ou entrar em novas áreas, algo mais evidente quando utilizada a função de correr. Aparentemente o jogo precisa renderizar objetos mais rapidamente por conta disso.

Ao menos a situação quanto à trilha sonora é mais positiva. Mesmo sendo uma pessoa de péssima índole, Sugiyama ainda é um excelente compositor e Dragon Quest XI mantém a excelência na sua OST. Há a opção de escuta-la em sua forma sintetizada e orquestrada, sendo que a primeira não se encaixa muito bem quando jogado em 3D. Já a orquestrada é um espetáculo, onde as canções realmente ganham vida e são muito bem encorpadas. A música da batalha, por exemplo, se transforma e realmente empolga o jogador.

Vale também dar destaque à dublagem, onde há opções em inglês e japonês. O que eu gosto aqui é que cada região possui um sotaque diferente que faz parte de sua cultura, e a dublagem reproduz isso perfeitamente. O trabalho do dubladores do grupo principal é muito bom, mas há NPCs menores que compartilham da mesma voz e as vezes a execução não é tão boa. Mas são problema pequenos diante de um jogo que dá voz a praticamente todas as falas da aventura principal.

Tudo em seu tempo

A maior qualidade do jogo é, sem sombra de dúvida, seu ritmo. Há um esforço louvável para que nada fique chato ou repetitivo com o tempo. Quando menos imaginamos somos colocados num contexto totalmente diferente e temos que lidar com uma situação totalmente nova, e isso acontece numa frequência tal que o desenrolar é bastante natural.

São momentos realmente memoráveis, que inclusive me lembra as situações que os JRPGs mais antigos costumavam nos colocar, como a ópera e o trem fantasma de Final Fantasy VI. Não quero estragar esses eventos, mas é o tipo de coisa que eu tenho bastante saudades e eu fico muito feliz de haver um foco tão grande neles. São situações inusitadas que não só mostram interações fantásticas entre o grupo de protagonistas, como também introduzem variáveis na jogabilidade que ajudam o jogo a não parecer repetitivo.

A estrutura aqui nunca deixa o jogador muito tempo executando a mesma atividade, e toda mudança acontece num ritmo tão bem projetado que merece todo o elogio possível. Este é um dos aspectos mais difíceis de se acertar num jogo que pode durar dezenas de horas, e Dragon Quest XI o faz com uma maestria invejável.

Conteúdo que vale a pena

Caso foque apenas na aventura principal, eu diria que mesmo com pressa não é fácil terminar o jogo tão rapidamente. E como já discutimos antes, o ritmo é excelente e em nenhum momento o jogo te apresenta algo que esteja lá apenas para tomar tempo. Todo os minutos, do começo ao fim, prendem o jogador e te apresentam uma jornada muito divertida. Mas, como todo bom RPG, existe muito o que fazer além disso.

O óbvio são as missões secundárias, onde alguns dos inúmeros NPCs podem te pedir os mais diversos feitos em troca de recompensas. Não há nada de muito extraordinário aqui porque não há um foco na estória ou personalidade desses personagens. Porém, elas vêm em grande quantidade e incluem alguns desafios interessantes.

Uma missão bem interessante, e particularmente nostálgica para os fãs da série, é o mundo de Trickington. Durante o jogo é possível coletar pastwords com alguns Tockles, que por sua vez te permite transportar-se para o mundo dos Dragon Quest’s anteriores e solucionar problemas que estão afetando o desenrolar da estória deles. Tudo isso acontece numa estética bidimensional que procura se assemelhar aos jogos de Super Famicom e são uma ótima adição ao jogo principal que pode ser acessada a qualquer momento da aventura depois do terceiro capítulo.

O grande atrativo extra, no entanto, se dá pela habilidade de jogar a aventura inteira usando este modo 2D empregado em Trickington. É incrível ver como todos os eventos que presenciamos através de polígonos são tão bem replicados utilizando sprites. As batalhas acontecem de forma aleatória e são exibidas em primeira pessoa, as áreas que conectam cidades e calabouços agora são um mapa mundi e todas as ações são detalhadas em texto na tela. É quase como se estivéssemos jogando um jogo totalmente novo!

Bem, na verdade estamos sim jogando um jogo totalmente novo. Este modo bidimensional na realidade não é apenas uma mudança estética de alto nível, então não é possível simplesmente mudar de visão sempre que desejamos: Para transitar entre um e outro é necessário recomeçar o capítulo atual. Isso abre a possibilidade para jogar Dragon Quest XI das seguintes formas, levando em consideração que você quer ver a aventura inteira em ambos os modos:

  1. Jogar os capítulos ímpares em um modo, os pares em outro e depois enfrentar tudo uma segunda vez invertendo a ordem. É a melhor solução para os que não desejam ver os mesmos eventos em um curto espaço de tempo, mas ainda querem transitar entre os modos de forma frenética, então a estória acaba fluindo melhor e sendo menos cansativo.
  2. Jogar um capítulo em um modo e depois o mesmo capítulo no outro modo. É mais cansativo, é verdade, mas também é a melhor forma de comparar os mesmos eventos por tê-lo fresco na memória.
  3. Jogar um modo, terminá-lo e depois jogar o seguinte. É a melhor forma para as pessoas que estão jogando pela primeira porque elas experimentam a aventura toda numa estética única.

Independente da sua escolha, a adição de um modo alternativo funciona como um jogo totalmente novo que vem de brinde na sua cópia comum. É uma adição incrível que aumenta a longevidade de um jogo que já é bem cheio de conteúdo por si só.

Por quê não testar?

Se você ainda está em dúvida quanto à qualidade desse jogo, ou acha que a sua proposta tradicional é algo que pode não corresponder às suas expectativas, por quê não testar o jogo? A Nintendo disponibilizou na eShop uma demo que engloba os três primeiros capítulos do jogo. Na minha opinião é uma boa parte da aventura, o suficiente para ter uma noção dos seus melhores aspectos.

A melhor parte dessa demo é que você pode continuar o jogo completo de onde parou nela. As únicas limitações ficam por não poder usar o modo 2D ou a trilha sonora sintetizada, mas não acho que isso seja um problema.

Um clássico moderno

É incrível imaginar que Dragon Quest XI S existe em 2019, e mais ainda que ele fora desenvolvido pela mesma empresa que nos últimos anos entregou produtos de qualidade tão duvidosa, como Final Fantasy XV. Em contraste, aqui vemos um RPG totalmente seguro de sua tradição e sabendo exatamente no que deve mexer em sua fórmula para aplica-la da melhor maneira.

O trabalho meticuloso e honesto quanto à estória, estética, exploração e combate são acompanhadas por um ritmo impecável que é surpreendente dado a quantidade de conteúdo disponível. Há defeitos? Sim, mas nenhum deles é óbvio durante a aventura. A aposta na tradição é alta, mas o jogo é tão perfeccionista na execução que Dragon Quest XI S manterá sua relevância por gerações a fio.

O redator que realizou esta análise a fez sem nunca ter acesso à versão de PS4, PC ou 3DS do jogo, portanto não haverão comparações com estas. Todo o conteúdo aqui presente, seja ele novidade ou não, e a diversão que ele gerou deve ser encarado como parte do jogo Dragon Quest XI S: Echoes of an Elusive Age – Definitive Edition, mesmo quando apenas o nome original é citado.

Todas as imagens aqui postadas foram capturadas pelo redator utilizando a função de Screenshot do Switch no modo portátil. Devido à diminuição de qualidade, resultado do processo de captura oficial da plataforma, a imagem aqui não reflete exatamente o que o jogador verá na tela de seu portátil.

O jogo foi analisado através de uma cópia física que não foi cedida pela Square Enix, mas sim comprada pelo próprio redator. A experiência de jogo e sua recomendação, portanto, refletem este fato.

100%
Atemporal

Um clássico moderno

A aposta na tradição é alta, mas o jogo é tão perfeccionista na execução que Dragon Quest XI S manterá sua relevância por gerações a fio.

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