Famicon Detective Club: The Missing Heir era, até semana passada, um dos Graais sagrados do universo das Visual Novels. Quando, absolutamente do nada, foi anunciado no ano passado que o jogo (aliás, os jogos, já que é uma duologia) receberia um remake, a recepção foi um misto de euforia e preocupação: pela primeira vez, poderíamos jogar esse clássico dos anos 80 no Ocidente; por outro lado, como seria jogar um jogo tão antigo em 2021? Pois bem, joguei, e posso dizer que, embora o jogo claramente mostre sua idade, valeu a espera de quase uma vida toda.
[bs-heading title=”Sobre Famicon Detective Club” show_title=”1″ heading_color=”#c4100a” heading_style=”t6-s4″ heading_tag=”h3″][/bs-heading]
Famicon Detective Club: The Missing Heir não foi a primeira Visual Novel a existir, mas é uma das mais relevantes pelos grandes nomes que o jogo e sua prequela, The Girl Who Stands Behind (cuja review vai sair nas próximas semanas) trazem do cenário mundial dos games. A começar por Yoshio Sakamoto, roteirista, que também foi fundamental em sucessos como Donkey Kong, Metroid e Kid Icarus. Famicon Detective Club: The Missing Heir foi lançado originalmente em 1988 para o Famicon Computer Disk System, um periférico do Nintendo 8 Bits que expandia a capacidade do primeiro grande sucesso da Big N.
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Lançamento: 26/Set/2024
A recepção do jogo foi boa, com uma nota 19/25 (ou 7,6, o que na época era um valor bastante alto no Japão) em uma pesquisa feita com o público japonês, o que garantiu a existência da prequela supracitada. Para o remake, a Nintendo trouxe a Mages Inc, antiga 5pb, responsável por títulos de peso como a série Science Adventure (dos jogos Steins; Gate) e Bravely Default, e a produtora caprichou. Tanto The Missing Heir quanto The Girl Who Stands Behind estão disponíveis, de forma individual ou num bundle, e podem ser jogados em qualquer ordem; optei por jogar na ordem de lançamento porque houve algumas melhorias feitas no segundo jogo, especialmente no primeiro remake, para o Super Nintendo, e eu não sabia o que, exatamente, tinha sido levado nestas novas versões, então quis jogar de forma mais segura, mas qualquer ordem é boa pra jogar.
Agora, sem mais delongas, vamos à análise em si:
[bs-heading title=”História” show_title=”1″ heading_color=”#c4100a” heading_style=”t6-s4″ heading_tag=”h3″][/bs-heading]
A história de The Missing Heir começa com uma conveniente amnésia do protagonista, cujo nome você define, que é encontrado por um homem depois de aparentemente ter caído de um precipício tipicamente usado como ponto de suicídios. Ao voltar ao local da queda, você encontra sua colega de trabalho, que te coloca na direção de ao menos começar a entender o que está acontecendo.
E o que está acontecendo é que você é um assistente de detetive que foi contratado por um mordomo para investigar a morte de sua patroa, herdeira de uma família que enriqueceu por meios duvidosos, e dona de uma grande empresa. O que para a polícia é uma morte natural, para ele, foi um assassinato, e ele conta com você para ir até o fundo disso. Enquanto você vai descobrindo mais e mais sobre a família, e a lenda sinistra por trás dela, você também busca juntar as peças para recuperar sua memória, o que é difícil de fazer quando as pessoas simplesmente não param de morrer, e os aldeões não param de dizer que é o cadáver da matriarca que está se vingando de seus descendentes vivos.
Sendo uma Visual Novel, a história precisa ser o aspecto mais importante e sólido. Inspirado pelo mestre do terror italiano Dario Argento, Sakamoto escreveu um livro com toda a história, e, a partir dele, montou o jogo. Seu foco desde o início era garantir que a história fosse bem amarrada, sem falhas ou pontas soltas que atrapalhassem a imersão. E nesse aspecto, posso dizer, sem dúvida alguma, que ele foi muito bem sucedido. Famicon Detective Club: The Missing Heir tem uma história intrigante, sólida e que faz, inclusive, superar as frustrações constantes nos momentos nos quais você não consegue avançar; a curiosidade sobre o que acontece te mantém motivada a continuar. É verdade que alguns momentos importantes do roteiro são clichês, mas eles se tornaram clichês porque funcionam, não é mesmo? E levando em conta que é uma história com mais de 30 anos, posso dizer que daria um bom filme. Há reviravoltas o bastante para te manter adivinhando o tempo todo; no mínimo duas situações “óbvias” têm resultados completamente diferentes dos esperados. Claro que há algumas questões culturais, como o excesso de disposição dos homens a ver mulheres jovens e bonitas, mas até nisso, tem bem menos questões problemáticas até mesmo que jogos modernos, como a série Legend of Heroes, que critiquei ano passado pelo excesso de sexismo; The Missing Heir não traz nada realmente desconfortável para o público feminino.
Além disso, posso dizer que chorei em pelo menos dois momentos. A versão 2021 do jogo é muito ajudada pela atuação impecável do elenco que dublou o jogo. Falarei disso daqui a pouco, mas é importante ressaltar esse fator, inexistente no original. Então, somando-se isso à história bem escrita e a momentos marcantes, é inevitável se sentir mexida em vários momentos, seja por tensão, seja por acontecimentos emocionantes. As personagens são diversas, com características claras e específicas, e agem de forma sorrateira em vários momentos, de maneira bem convincente; do mordomo Zenzou, cujos nervos vão ficando cada vez mais em frangalhos conforme a trama se desenrola, à sua colega de escritório Ayumi, que traz sempre informações úteis e te ajuda a pensar ao final de cada dia, jogar este jogo é ver um anime interessante se desenrolar diante de seus olhos, e é, sem dúvida nenhuma, o ponto forte.
Para quem conhece lendas tradicionais japonesas, há referências a algumas delas, incluindo uma clara e óbvia referência à lenda da mulher que ia todos os dias à colina aguardar seu amado voltar do mar, que foi popularizada no Brasil graças ao episódio do Fantasma do Pico da Donzela do anime Pokémon. Também aprendi o que é Schaukasten graças ao humor tranquilo e leve de uma das personagens do jogo.
Numa escala de 0 a 10, a história deste jogo é 10, e eu adoraria vê-la no cinema ou em alguma série, e não é exagero. Para os padrões modernos, a única coisa que poderia ter era nós termos alguma influência como protagonistas. À exceção de três momentos nos quais você precisa inserir sua dedução, e a um minigame no fim do jogo, a história é 100% linear, e sem qualquer influência da sua vontade sobre ela; é realmente como assistir a algo, o que basicamente zera o fator replay; ao terminar o jogo uma vez, você demorará a ter vontade de jogar de novo.
[bs-heading title=”Gameplay” show_title=”1″ heading_color=”#c4100a” heading_style=”t6-s4″ heading_tag=”h3″][/bs-heading]
Aqui, nós temos a sacolinha mista que acaba impedindo que o jogo seja excelente: não importa o quanto você faça polimento, um carro antigo continuará sendo um carro antigo e funcionando como um carro antigo, e não basta só mudar o motor. Aqui, é clara a decisão de manter a essência do jogo original, o que faz com que a gente perceba muito claramente como evoluímos na forma de contarmos Visual Novels nas últimas três décadas. Fica muito mais destacado quando a gente olha para um jogo como The House in Fata Morgana (cuja análise também já tá chegando), que até o momento presente está com uma nota perfeita no Metacritic, apesar de ser uma Visual Novel, e vemos que é possível que a jogabilidade ajude a contar a história, em vez de atrapalhar.
E é o que, infelizmente, acontece em alguns momentos. Mas antes de falarmos das coisas ruins, vamos falar das boas. O jogo recebeu várias melhorias de qualidade de vida em relação ao lançamento original. Falas com informações importantes agora fazem soar um aviso que geralmente indica que nova opções de diálogo foram abertas. Além disso, o bloco de notas, introduzido no remake de The Girl Who Stands Behind para o SNES, foi sabiamente trazido para cá, e ele guarda tudo o que você precisa saber para se situar do que está acontecendo, caso tenha se perdido. Ele não é perfeito, porém, visto que você só vê quais anotações têm novidades, não vêm até qual página você leu, então, sempre que uma nova informação é adicionada sobre alguém, você tem que reler tudo de novo, o que cansa, e te faz esquecer que isso existe, a menos que algum nome apareça que você realmente não se lembre.
Também é possível acelerar o diálogo e deixar o jogo programado para pular automaticamente falas já vistas. Essa última função, embora tenha bugado algumas vezes e me feito perder pedaços inteiros de conversas, ajuda bastante quando você não sabe mais onde já clicou ou não. Falando em perder pedaços de conversa, se alguma fala passar por você, basta apertar o X e você consegue ler tudo o que foi falado anteriormente. A última das grandes melhorias é que caso você feche o jogo e abra novamente para continuar, há uma opção de ler e ouvir um sumário do que aconteceu, então, independentemente de quanto tempo você ficar sem jogar, ou de quantos jogos estiver jogando ao mesmo tempo, você sempre lembrará do que aconteceu. O jogo também tem salvamento automático, embora você só vá descobrir isso caso dê continue em algum momento, já que não há nenhum sinal claro de que isso está acontecendo.
Os controles são intuitivos, mas caso haja alguma dúvida, é só apertar dois botões, e a lista de comandos aparece. O menu também é de fácil acesso, e, embora as opções nem sempre sejam claras, tudo o que você precisa acessar para jogar é facilmente acessado. O menu de opções está sempre numa posição que não interfere ver o que está acontecendo, e você pode optar por jogar com um ou dois Joy-Cons, do jeito que for mais confortável para você. Não há suporte à tela de toque, mas você pode pressionar o direcional analógico para aumentar a velocidade do cursor. Ainda seria melhor poder clicar nas coisas com o dedo, mas, assim como a ausência de qualquer tipo de vibração, não é algo que faça falta em qualquer momento.
Falando da parte ruim, esse jogo é frustrante em vários momentos. Opções de diálogo abrem antes da hora, e conversas que deveriam ser contínuas exigem que você volte e selecione a mesma opção de novo e de novo e de novo. Mais que isso, em momentos de investigação, ao fazer uma pergunta sobre algo, você não volta para a opção de perguntar sobre outra coisa, e sim dois menus anteriores. Isso parece bobo, mas com a quantidade de vezes que você precisa ir e voltar nos menus, isso adiciona centenas de pressionamentos extras de botões que poderiam ser poupados. De forma típica dos jogos dos anos 80 e começo dos anos 90, não há muitas dicas do que fazer. Mesmo seguindo as pistas sutis que as personagens te dão, você ainda vai se perder em muitos momentos. E quando eu digo muitos, são muitos mesmo. O contador do Switch passou das 12 horas no fim do jogo, mas com certeza, sem as idas e vindas desnecessárias, e com alguns ajustes simples, o tempo gasto seria mais que um terço menor. Além disso, conto pelo menos cinco momentos que larguei os controles na cama e fui dar uma volta pela casa, tomar uma água, olhar pro céu, ouvir os pássaros cantando e fazer carinho nos meus gatos. Eu estava determinada a terminar o jogo ainda no fim de semana, mas se não fosse essa determinação, eu teria ficado uns dias sem jogar.
Ao jogar, vocês vão entender. É cansativo você ficar rodando entre três lugares diferentes, tentando falar com todo mundo, só pra descobrir que você não mostrou um item específico pra uma pessoa específica num lugar específico numa ordem específica; aí, você acha que vai continuar seguindo, mas não, acontece de novo, e de novo. Eu vi uma gameplay do jogo original, e houve muitas melhorias feitas, mas, repito, ao optar por se manter fiel à fonte, Famicon Detective Club: The Missing Heir não consegue ter a fluidez dos jogos modernos, e sua idade fica claramente à mostra na jogabilidade.
[bs-heading title=”Som e Gráficos” show_title=”1″ heading_color=”#c4100a” heading_style=”t6-s4″ heading_tag=”h3″][/bs-heading]
Aqui é onde as evoluções tecnológicas de três décadas fazem real diferença. A versão do Nintendinho já era avançada para a época, e levava o console ao limite, mas ainda assim, havia um teto de capacidades disponíveis que não há mais. E se houve um carinho dedicado maior pela Mages dedicou, com certeza foi para a arte e a parte sonora.
Primeiro, o som. O jogo é 100% dublado no japonês. São atrizes e atores reais que emprestam emoção e personalidades genuínas e únicas a todas as personagens. Para se ter uma noção do nível, o protagonista é dublado pela mesma atriz que dublou Kurama, em YuYu Hakusho, Yugi, em Yu-Gi-Oh!, e Yukito em Sakura Card Captor. As outras vozes do jogo são conhecidas também por animes como Dragon Ball, Sailor Moon, Inuyasha, Rosario Vampire, JoJo’s Bizarre Adventure, Naruto, e muito mais. Esse elenco de peso te faz ter vontade de pegar uma pipoca nos momentos nos quais a história está fluindo. Não há dublagem em qualquer outro idioma, mas não é necessária. As legendas são muito boas, fiéis ao conteúdo original.
Já a música foi uma surpresa. Você pode optar por jogar com a versão original, de 8 bits, ou a versão orquestrada e moderna. Joguei com a versão 8 bits por mais ou menos 15 minutos, antes de cansar. Mas para quem é fã, é algo bem legal. Talvez o problema não tenha sido exatamente a música 8 bits, e sim o som ambiente, que combinado com ela, ficou incômodo. Como um lugar cheio de natureza, a mansão Ayashiro tem muitos bichos, e se por um lado, o som da carpa pulando no lago é muito gostoso, o som dos grilos fica insuportavelmente irritante depois de um tempo, e aí, felizmente, você pode diminuir o volume. Infelizmente, você perde os outros sons; mas para mim, alguns desses sons contínuos foram incômodos demais.
Já os visuais do jogo são impecáveis. As personagens são expressivas e há várias cenas completamente animadas que mostram uma gama de reações muito legal. Além disso, você pode ocultar a caixa de fala a qualquer momento que quiser tirar um print apreciando a arte, e novamente é possível observar o carinho que a Mages teve nesse jogo. Os cenários são uma real homenagem ao jogo original, e, apesar de tudo ter sido recriado do zero, tudo também está lá.
[bs-heading title=”Conclusão” show_title=”1″ heading_color=”#c4100a” heading_style=”t6-s4″ heading_tag=”h3″][/bs-heading]
Não é fácil avaliar um jogo de mais de três décadas. Eu poderia passar um pano para a idade do jogo, mas remakes de jogos saem o tempo todo, e são sempre atualizados para os tempos modernos, e embora tenha havido muita atualização, o jogo ainda fica aquém do que poderia ser, e dificilmente será o jogo que agradará alguém que já não é muito fã de Visual Novels. Para quem é fã, porém, se você for capaz de lidar com as quebras de ritmo causadas pela jogabilidade, a história envolvente e surpreendente prenderá seu interesse até o fim.
Famicon Detective Club: The Missing Heir se destaca na arte, no som e, especialmente, na história. Porém, naquilo que deveria ser fundamental, a jogabilidade, ele peca bastante. Apesar das melhorias evidentes, ele ainda deixa claro sua idade. O jogo não alcança o status de uma obra prima, mas ainda é uma adição sólida à biblioteca de Visual Novels de qualquer pessoa.
Análise feita com cópia gentilmente cedida pela Nintendo
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