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Universo Nintendo

Análise – The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom

A criatividade é a melhor arma contra o medo. Superar teus próprios limites, também.

[Para preservar a experiência de jogo daqueles que não terminaram, ou ainda nem sequer tiveram a oportunidade de tocar em tal obra, esta análise não irá contar com spoilers avançados sobre o enredo]


Ok, decerto que já faz um tempinho para a comunidade desde que TotK enfim foi lançado (nada ainda comparável aos seis anos de espera que tivemos, todavia). Após mil e uma engenhosidades, diversos sustos, e com certeza horas de jogo, uma conclusão que parecia impossível há até poucos meses atrás tornou-se consenso: Tal qual Usain Bolt quebrava seus próprios recordes de tempos em tempos, a Nintendo decidiu fazer o mesmo. A carta máxima foi aplicada, e BotW foi enfim superado. Tive a honra de colocar as mãos neste que definitivamente já é um dos jogos mais influentes de sempre. Vamos aos resultados!

Se seu antecessor parecia ser o pináculo das possibilidades e descobertas, TotK chega para subir ao próximo degrau: o da infinitude das mesmas. Nada mais parece impossível dentro do jogo. Desde literais helicópteros de combate, máquinas parecidíssimas às de Star Wars, instrumentos de tortura de Koroks, ou simplesmente… “certas” coisas mais que certamente me abstenho de comentar por cá. Em suma: tudo é possível.

É antiético? É. Mas é legal? Também.

 

É legítimo notar como todo o jogo ganha uma aura demasiado sombria. Após os eventos iniciais de TotK, acontecimentos estranhos começam a ocorrer com uma frequência relativamente grande. A abertura de novas camadas na região aumenta a apreensão natural ao jogar. Em uma interpretação digna de referência à Dante, começamos no céu, caímos ao purgatório, e pouco após descobrimos o inferno. Todos os mundos têm variações nítidas que deixam ainda mais evidente a proposta do medo. Fora das ilhas aéreas comuns, absolutamente tudo é perigoso. Se em BotW tínhamos os guardiões a aterrorizar o jogador como nunca antes, em TotK novos eventos como o Gloom Spawn elevam o medo a outro patamar (não tente derrotá-lo, meu mais sincero aviso).

Até mesmo detalhes que seriam banais, como a chamada para a Blood Moon, passam a ser narradas como um evento apocalíptico. Novos monstros comuns também garantem bons sustos. Andar – mesmo de dia – em caminhos aparentemente sem ameaças pode tornar-se uma aventura letal para os desprevenidos (ou ausentes de coração). É uma realidade onde a tecnologia evolui ao mesmo ritmo da complexidade e do terror trazido ao mundo.

O Ministério da Segurança de Hyrule adverte: caso vejas esta hórrida criatura no meio do nada, teleporte para o local mais seguro possível imediatamente.

A Curiosidade Matou a princesa o Gato

É nesta parte que mais é exigido cuidado. TotK é um jogo praticamente interminável, no bom sentido. Apesar de haverem os que já completaram o jogo, há os indecisos e os que ainda estão bem no começo. Por isso é válido endossar como mencionado acima que evitaremos spoilers mais tardios sobre o enredo.

Mas vamos lá: de uma forma muito grotesca, uma irrequieta Zelda não consegue conter-se com o final dos acontecimentos de BotW. Após uma investigação na parte inferior do castelo, que revela sua ancestralidade Zonai, um povo regente na Hyrule ancestral, tudo dá errado, e um evento catastrófico que causa a aparição de diversos problemas em toda a região (novamente) tem início. Link perde todas as suas energias, a Master Sword é degenerada, e Zelda some desde então.

E já lá vai mais uma vez o herói a salvar toda a região pela capacidade impressionante da parte de certos terceiros de mexer no que não deve. Ora, porque resolver tudo uma vez, quando a própria existência da série depende de tais quixotadas?

A serenidade no olhar de quem irá causar um cataclisma nos próximos minutos.

 

Mas enfim. A passagem do tempo é notória dentro do jogo. O Great Plateau parece ainda mais desolado do que em BotW. A Shrine da Ressureição torna-se completamente desfigurada. Diversas mudanças são percetíveis pela parte do jogador mais atento.

Não trata-se mais da mesma Hyrule de anos antes. Mudanças ocorreram. Diversas personagens permanecem no jogo, com uma certa “repaginada” em suas histórias e idades. Se em BotW, Link já era uma lenda por ser o único campeão sobrevivente da Grande Calamidade, em TotK seu status é ainda maior.

É inegável como o roteiro de Tears of the Kingdom em um geral parece mais bem elaborado e avançado que o de BotW. É possível ver como a história tem mais corpo e é mais refinada em relação ao seu antecessor. A lore de Hyrule no jogo é explorada para o limite. Referências aos demais jogos antecessores, bem como suas conexões e referências – ainda que sutis – na história atual, foram extremamente bem-vindas.

A história do jogo, ao contrário de BotW, soa muito mais ampla. Um jogador facilmente pode perder-se na quantidade de missões deslocadas da história principal, porém com igual relevância para a trama. É notável que o número de tarefas cobra seu preço. Jogadores mais atenciosos certamente devem notar um “roteiro” próprio para a história em seu início, ao invés de uma liberdade incondicional. Por mais que – ainda que de uma maneira sutil – isto comprometa a premissa de mundo verdadeiramente aberto, é uma medida necessária. É perfeitamente possível vagar por meses a cumprir cada missão do jogo.

É um mundo grande. Do mesmo tamanho que BotW, porém com novas camadas que o tornam muito maior na prática.

Canivete Zonai

Falemos agora sobre algumas mudanças cruciais que definitivamente jogam por terra qualquer possibilidade de alguns argumentadores considerarem de maneira parva a sequência como uma mera DLC.

A princípio, é notável como a Stamina desempenha uma função ainda mais importante no jogo. Em um mundo onde o Paraglider é um dos itens mais úteis do jogo, manter-se no ar nunca foi tão importante como agora. E claro, é preciso de fôlego para certas coisas mais… Deixo à mercê do jogador inexperimentado em TotK descobrir por conta própria.

Já a primeira mudança mecânica do jogo são as funções da Ultrahand, o novo braço direito (em ambos os sentidos) de Link. Suas funções evocam às runas de BotW, porém absolutamente incomparáveis em utilidade e fluidez dentro das dinâmicas de Hyrule.

A capacidade inicial, de movimentar objetos, soa como uma versão do Magnesis do antigo jogo, porém melhorada: agora é possível interagir com quase todo o mundo, não mais apenas objetos metálicos. Também passa a ser real a movimentação e assimilação destes objetos com uma “super cola”, o que faz com que a construção de todo tipo de máquinas e auxílios no jogo torne-se viável em um nível que outrora seria inimaginável.

A segunda habilidade, também demonstrada durante os trailers pré-lançamento é a de fusionar objetos (Fuse). Com ela, é possível associar absolutamente qualquer tipo de item para a geração de novas armas nunca antes vistas no jogo. As fusões também dão novos efeitos às mesmas. À exemplo, a fusão de uma flecha com um olho de Keese resulta em nada menos que um literal míssil teleguiado. Mas claro, não é possível apenas fazer algo prático. Já pensaste em ter um escudo de carne? Uma lança de fragmentos de estrela? As combinações são infinitas.

Mais uma das funções desbloqueáveis – esta definitivamente a mais revolucionária até o momento – é a ascensão (Ascend). Com ela, todo o martírio de ter que escalar para chegar ao topo de algum lugar foi cortado drasticamente. É possível simplesmente “nadar” pelas paredes até chegar à superfície. Em momentos críticos de embate em cavernas, a solução é uma das mais convenientes e úteis já mostradas em todos os quase 40 anos da série.

Outra das funções do novo braço de Link é a capacidade de retroceder no tempo (Recall). Não, não estou a falar de um retorno massivo como em Ocarina of Time, mas sim de algo mais sutil. Em uma Hyrule onde pedras caem frequentemente do céu, é possível alterar seu curso de volta aos ares com a habilidade, o que concede uma vantagem absurda, ainda mais em um jogo onde o céu é tão bem explorado como um todo. Além disso, quando dentro de Shrines, a habilidade – se bem utilizada – prova-se crucial para certas soluções de problemas.

A última habilidade, desbloqueada apenas alguns momentos mais tarde na história, é a construção automática (Autobuild). Com ela, é possível recriar suas máquinas do zero, sem a necessidade de possuir tais itens próximos de si. Ela prova ser extremamente útil, principalmente por permitir que o jogador desenvolva construções cada vez mais complexas com a tranquilidade de tê-las sempre salvas em seu “inventário”, que permite que até 30 obras sejam preservadas para recriação.

Como reinventar a roda, estilo Zonai.

Universidade Virtual de Engenharia

Um puzzle, alguns itens, e várias respostas para o mesmo problema. De forma sucinta, assim são as shrines de TotK. Algumas máquinas simples possuem a proeza de terem as soluções mais inusitadas para alguns desafios antes vistos como impossíveis.

É inevitável não pensar como as shrines de BotW passaram a soar datadas em relação às de TotK. No novo jogo, uma simples sala pode ter inúmeras soluções possíveis. É como comparar uma questão lógica básica com uma abertamente debatível, com diversas opiniões e pontos de elaboração diferentes. O limite é nada mais, nada menos que tua própria imaginação.

É também extremamente válido mostrar como as novas habilidades interagem bem com a lógica do jogo. Em todas as shrines, o uso das mesmas parece algo natural, fluido. A relação delas com as máquinas Zonai são realmente notórias, e apresentam uma grande variedade de ideias para suas resoluções.

Uma shrine, diversas possibilidades.

Um (velho) Novo Mundo

Após horas de exploração, posso afirmar com toda a certeza: Tears of the Kingdom não é um jogo.  É uma experiência. Nele, a imersão atinge níveis que nunca esperava ver. Não posso ser imparcial, houveram coisas que o distanciaram do meu “padrão ouro”. E antes de pensarem em uma resposta pré-pronta para o que sei que estão a pensar, não é isto. Não trata-se de taxa de quadros, qualidade gráfica, ou qualquer uma destas palavras de ordem no mundo dos jogos cotidianos, que desconsideram completamente que um game deve ser antes de qualquer coisa uma diversão, e não uma guerra parva por polígonos invisíveis.

A meu ver, o real incómodo é com o jogo tentar ser demasiado “creepy” em relação aos demais lançamentos da série, e em certos casos, a momentos um pouco desnecessários, quando gostaria apenas de explorar cada canto do mundo em paz. Não posso negar que isto afetou de certa forma um pouco minha avaliação pessoal para com TotK.

Mas sejamos honestos: isto definitivamente não é algo que deve ser considerado demérito, dado o conjunto da obra; e sim apenas um detalhe. Não é, nem nunca foi ou será possível agradar a todos em tudo. Antes de qualquer julgamento negativo, é necessário reconhecer como a Nintendo teve a proeza de superar o insuperável, ser magnificente com o que já parecia esplêndido, mostrar como a criatividade transcende quaisquer limitações, e deixar-nos com mais vontade ainda de saber qual é o próximo passo, de qual maneira poderemos ser surpreendidos novamente.

Afinal, a realidade inegável é que já temos um novo clássico – atemporal – em mãos.

Aproveitem cada segundo.

The Legend of Zelda Tears of the Kingdom
The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom
Veredito
Assim como há seis anos atrás, Tears of the Kingdom apresenta as novas palavras de ordem na indústria. Não basta mais ser aberto: é necessário criar tudo. O jogador deve ter seu limite expandido para além do máximo. Cada salgado centavo a ser pago em TotK, cedo ou tarde irá revelar seu valor. Estamos simplesmente a nos deparar com um dos melhores jogos da década, quiçá da História.
Prós
História cativante
Novas mecânicas demasiado úteis
Uso da criatividade necessária durante todo o jogo
Área para exploração mais que duplicada
Ambientação de Hyrule é natural e perfeita
Contras
10
Indispensável
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